A ilusão costuma ser eficaz quando se tenta prolongar sonhos perdidos. Os bons sonhos, como as melhores sementes, em algum momento germinam. Os que se perderam pelo caminho têm destinos incertos.
Lula é protagonista de todos eles.
Sua prisão é, ao mesmo tempo, fim de um ciclo e prelúdio de outro.
Lula não foi para a cadeia por seus históricos feitos como líder sindical e político. Não chegou lá por seus méritos. Mas, sim, por seus malfeitos.
Das investigações na Lava Jato, o tal tríplex de Lula teve, sim, um tratamento diferenciado. Nenhuma outra apuração passou por tão rigorosa lupa. Se falha houvesse, teria morrido pelo caminho. Mas nem o escrete de advogados conseguiu impedir que o juiz Sérgio Moro o condenasse por corrupção e lavagem de dinheiro. A legalidade dessa impecável sentença foi endossada pelos desembargadores do TRF-4, 5 ministros do Superior Tribunal de Justiça e o plenário do Supremo Tribunal Federal. Palavra final de ministros insuspeitos, quase todos indicados pelo PT.
Lula não foi vítima de açodamento. Qualquer outro teria sido preso antes. A sentença de Lula só foi cumprida depois que a Justiça perdeu a paciência com as sucessivas prorrogações para exibições de um fingido heroísmo.
O que se assistiu ali foi um desfile de tendências minoritárias do PT e de seus satélites pregando resistência ao mandado judicial de prisão. Assim, correntes petistas como a alternativa de esquerda, o P-Sol, a Causa Operária, entre outros, tomaram conta da cena.
O cenário, o sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo, foi uma bela escolha para a narrativa de que Lula está sendo punido por dedicar a vida a causa dos pobres. Um ou mais filmes vão alimentar essa ficção.
No palanque desse derradeiro discurso de Lula, considerado histórico por uns e patético por outros, o holofote iluminou Guilherme Boulos, Manuela d`Ávila, Gleisi Hoffmamn, Lindberg Farias, Luiz Marinho, e até o onipresente Eduardo Suplicy.
Quem conhece a história do PT se impactou mais com as ausências do que com as presenças.
Lula estava ali praticamente sozinho.
Nem chamaram atenção as ausências forçadas, como as de José Dirceu, José Genoíno, Antonio Palocci, João Paulo Cunha, Delúbio Soares… e, sim, as raras estrelas que sobreviveram aos escândalos.
Lula tentou se equilibrar em um palanque, em um momento mal das pernas, sem a companhia de Olívio Dutra, Patrus Ananias, Tarso Genro, Paulo Paim, só para citar alguns fundadores do PT que não abandonaram o partido.
Quem conhece Lula, sabe que ele é pragmático, avesso a riscos pessoais.
O tal ato de resistência foi uma calculada jogada política. Quando Moro perdeu a paciência, Lula se entregou rapidinho.
Cumpriu o script que, fora os devotos, todos sabiam que iria acontecer.
Tudo isso é passado.
Para alimentar a militância, os apoiadores de Lula dizem que a prisão é passageira, coisa de dias.
Curioso é que eles apostam no Judiciário, que tanto detonam, para justificar essa previsão e manter a mobilização dos devotos.
Lula tem dois tipos de advogado. Uns jogam para a plateia, outros buscam resultados.
A saideira aposta de todos, mesmo com expectativas bem diferentes, é de que o Supremo Tribunal Federal possa tornar sua mais importante jurisprudência no combate à corrupção em um joguinho de maiorias ocasionais.
Eles fingem que não entenderam o voto da ministra Rosa Weber.
Por ter feito carreira na Justiça do Trabalho, Rosa é vista com preconceito por quem se acha luminar no mundinho que sempre deu as cartas nas instâncias superiores do Judiciário.
Quem se arvora em se dizer supremo, como Gilmar Mendes, que se acha o rei da cocada preta no Judiciário, bedel dos colegas, vai continuar no mesmo joguinho.
A discreta Rosa Weber, que só fala nos autos, por sua coerência, e até à sua revelia, talvez seja responsável pela maior revolução na história da Justiça neste país.
Ao não barrar Lula ir para a cadeia, Rosa abriu a porteira.
O jogo agora no Supremo é o que fazer com a porteira.
Mais do que seu dilema no vai e vem da porteira, o STF tem de se encarar no próprio espelho.
O mesmo tribunal que tirou Eduardo Cunha da presidência da Câmara e o mandou para a cadeia, manteve Renan Calheiros com mandato e na presidência do Senado
O mesmo tribunal que prendeu e afastou do mandato Delcídio do Amaral, então líder do governo Dilma Rousseff no Senado, por uma gravação que o comprometia, manteve o mandato de Aécio Neves, flagrado em uma gravação muito mais grave.
A ida de Lula para cadeia também tem como mérito exigir respostas rápidas em relação a outros envolvidos em corrupção.
O STF tem de parar com as firulas.
A questão central no tribunal é julgar logo ou passar a bola adiante. Tem que concluir a votação, já aprovada, sobre o foro privilegiado. E aí, sem os costumeiros subterfúgios de Gilmar Mendes,
mandar tudo para a primeira instância.
Desde que não use o artifício de dar com uma mão e tirar com a outra.
O fim do foro privilegiado, se for revogada a permissão para que condenados em segunda instância comecem a cumprir a pena, não é avanço, é retrocesso.
Pela primeira vez, uma conjunção de fatores abre uma perspectiva de acabar com a impunidade eterna para intocáveis de sempre e poderosos de ocasião.
Talvez, por linhas cruzadas, seja a última boa contribuição de Lula para a nossa história.
A conferir.