Ciro Gomes é bom de gogó, dom que exerce com algum sucesso em pequenas rodas, auditórios e comícios. Fez dessa facilidade de pontificar sobre complexas questões econômicas, agruras cotidianas da população, e o rame-rame da política, seu principal trunfo.
Usou e abusou desse talento. Para o próprio bem ou o seu mal.
Ciro entrou nessa campanha disposto a evitar os tropeços de sempre. Antes mesmo do jogo começar, sabia que Lula, barrado ou não, seria seu principal adversário. Daí a estratégia, inspirada em Leonel Brizola, de começar pelas bordas a comer o mingau quente.
A largada impressionou. Mesmo pegando leve, conseguiu aparecer como alternativa no campo das esquerdas até para governadores e outras lideranças de peso do PT.
Lula, preso em Curitiba, sentiu o golpe. O primeiro contragolpe – o compromisso de quem fosse eleito pelas esquerdas indultar Lula – pegou Ciro no contrapé. Se topasse, ele teria que abdicar de seu diferencial do PT, até agora não ser alvo da Lava Jato.
Pisando em brasas, Ciro pulou daqui e dali, e conseguiu escapar da armadilha. O tal indulto hibernou. Mas Ciro recebeu uma bola preta no caderninho de Lula.
Lula, na realidade, jamais cogitou em passar seu bastão para qualquer um que lhe fizesse sombra, no PT e muito menos fora dele. Ciro era um estorvo.
A recusa de apoio ao tal indulto, mero balão de ensaio, virou pretexto para a burocracia do PT, em coro puxado por Gleisi Hoffmann, detonar qualquer apoio a Ciro. O veto explícito foi carimbado pelo próprio Lula.
Sentindo que o mingau esquentou, Ciro mudou de borda. Investiu na centro-direita, na expectativa de conseguir ali o respaldo para se impor na esquerda.
Mas o que, efetivamente, estava em jogo? O que Ciro poderia propor que unisse o Centrão, decisivo no “golpe” que derrubou Dilma Rousseff, a resistência aos golpistas liderada por Lula?
Nada de novo. O que continua a mover os políticos de todos os naipes é como interromper a devassa contra a corrupção promovida pela Lava Jato e por outras investigações.
O problema é que Ciro, mais uma vez, falou demais e melou o jogo. Exagerou no seu protagonismo. O Centrão se assustou e fechou com Geraldo Alckmin, a um preço ainda pouco conhecido.
No dia 16 de julho, em entrevista à TV Difusora, do Maranhão, que agora virou escândalo nacional, ele se sentiu à vontade para se proclamar o cara para resolver a principal angústia de Lula de caciques políticos de todos os quadrantes.
“O Lula tem alguma chance de sair da cadeia? Nenhuma. Só tem chance de sair da cadeia se a gente assumir o poder e organizar a carga. Botar juiz para voltar para a caixinha dele, botar o Ministério Público para voltar para a caixinha dele, e restaurar a autoridade do poder político”.
Ciro foi adiante. Questionou a burocracia do PT, que age sob as ordens de Lula: “O que eles estão pensando? O Brasil não aguenta um presidente por procuração a uma altura dessas”. Dá até dá para entender. Ciro teme e briga antecipadamente contra um plano B do PT, como Fernando Haddad.
A entrevista até aí, mesmo com tom de cobrança, parecia uma tentativa de sedução. Depois, Ciro subiu de tom: “Eu ajudei Lula por 16 anos, sem tirar nem um dia, no período dele e da Dilma. Já zangado, porque eu via as coisas acontecendo, sabia que ia dar problemas. Cansei de avisar para ele, e ele não quis ouvir, porque o poder, muito tempo, também tira a pessoa do normal”.
Quer dizer, há algo mal explicado, mantido até agora em sigilo.
Lula até pode matar os planos de Ciro. Mas o abraço afogado de Ciro pode melar também os planos de Lula.
A conferir.