A incontinência verbal é um vício das mais variadas autoridades públicas agravado pela obsessão por sucesso nesse mundo interligado por redes sociais. O ministro Gilmar Mendes, um poço de vaidade, que, mesmo falando aos trancos e barrancos, admira até a própria voz empostada, é um exemplo disso. Não basta expor uma ideia, busca sempre uma manchete em toda e qualquer mídia.
Gilmar Mendes tem sólida formação jurídica. Mas sempre quis ter protagonismo político. Foi indicado por Fernando Henrique Cardoso para o STF. Em determinado momento, virou amigão de Lula. Foi peça importante na queda de Dilma. Desempenhou o papel de conselheiro jurídico de Michel Temer, numa época em se tornou uma boia de salvação para Aécio Neves, Renan Calheiros e outros caciques políticos alvos da Operação Lava Jato. Tem sido um conselheiro bissexto de Jair Bolsonaro.
Além de votos e decisões polêmicas, especialmente em habeas-corpus, Gilmar Mendes faz uma cruzada no Supremo contra a Lava Jato. Seus colegas dizem que é ele quem faz a cabeça de Dias Toffoli para suas controvertidas canetadas. Também inspirou no ano passado o acordão entre Toffoli, Bolsonaro e Rodrigo Maia para cortar as asas de Sérgio Moro, então poderoso ministro da Justiça e Segurança Pública.
Gilmar Mendes adora a própria imagem de não ter papas na língua. Se sente à vontade até para ofender colegas do Supremo. Aposta na segurança da torre de marfim que abriga ministros do STF. Nelson Jobim, que presidiu o tribunal, costumava dizer que acima do Supremo Tribunal Federal só Deus.
Exageros à parte, o problema maior é quando ministros como Gilmar se sentem como o próprio tribunal. E passam a dar sentenças fora dos autos para tudo que discordam. Sabem que sendo taxativos vão obter manchetes para afagar seus egos. É um jogo que cada vez exige adjetivos e frases mais fortes. Só assim se mantém nesse topo.
No sábado (11), Gilmar participou de uma live promovida pela revista Istoé, com o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta e o médico Drauzio Varella. Evidente que com a pandemia correndo solta no país, o comportamento leviano imposto por Bolsonaro na Saúde foi o alvo. Mandetta disse que alertou para que, com sua demissão, a troca de ministro não fosse acompanhada da mudança do competente corpo técnico do Ministério. Não convenceu.
— O desmanche do Ministério da Saúde na maior pandemia do século não é uma interferência, é uma aniquilação, é uma ocupação militar – cravou Mandetta.
Gilmar Mendes, que está em Lisboa, pegou corda, fez uma avaliação correta sobre a política maluca de Bolsonaro, a desastrada intervenção no Ministério da Saúde, e sua péssima repercussão no exterior, e alertou os militares do risco de serem usados na interinidade do general da ativa Eduardo Pazuello, nessa aposta equivocada. Até aí perfeito. Mas ainda não dava manchete. Então, soltou uma frase irresistível:
— O Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável.
Opa. Genocídio talvez seja o mais grave crime de guerra. É crime para ser julgado no Tribunal Penal Internacional, em Haia. Não pode ser inadequadamente usado como sinônimo de irresponsabilidade, inépcia, má gestão. Os militares reagiram e forçaram o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, a assinar junto com os comandantes militares uma dura nota de censura a Gilmar Mendes em que, corretamente, é pedida a atuação no caso do procurador-geral da República.
É assim que a democracia funciona. Ninguém está acima da lei. Nem Jair Bolsonaro com sua louca política de Saúde e nem supostos deuses do STF.
A conferir.