O Supremo Tribunal Federal, corte constitucional, é quem dá a última palavra, entre as mais variadas questões sociais, nos conflitos entre os poderes. Não há a quem recorrer além do próprio tribunal. De uma instituição com tamanhas responsabilidades, o mínimo que se espera quando todos esses poderes de concentram em seu presidente é que ele decida com algum bom senso. Não é o caso de Dias Toffoli com suas polêmicas canetadas nas férias dos colegas. O problema é o estrago que causam mesmo com as frequentes correções posteriores.
Como mais uma vez era previsível, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, revogou a insensata intromissão de Toffoli em sua jurisdição para autorizar o procurador-geral da República, Augusto Aras, a devassar os bancos de dados de todas as forças tarefas da Lava Jato. O suposto pretexto estaria em Curitiba, mas a decisão foi extensiva a todas investigações no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Generalizações absurdas não são novidade na carreira de Toffoli. Ele era o consultor jurídico do poderoso José Dirceu, então chefe da Casa Civil de Lula, de onde partiu a orientação para o deputado petista José Mentor, relator da CPMI do escândalo no Banestado, requisitar um gigantesco banco de dados. Foram tantas informações, muitas em microfilmes, que ninguém jamais conseguiu desvendá-las.
No recesso da Justiça em julho do ano passado, Toffoli simplesmente suspendeu centenas e centenas, talvez muitos milhares, de investigações sobre todos os tipos de crime baseadas nos relatórios do COAF. Tudo isso para atender a um pedido do advogado Frederick Wassef, então responsável pela defesa de Flávio Bolsonaro, para suspender as investigações sobre as rachadinhas operadas por Fabrício Queiroz. Por mais que tenha chocado seus próprios colegas, virou xodó do presidente Bolsonaro.
Meses depois, em um vexame que não compensou os estragos nas inúmeras investigações, Toffoli aderiu a quase unanimidade entre os ministros do STF e também votou contra a sua própria liminar. Simples assim. A principal bagunça do último plantão foi rapidamente corrigida. Logo que voltou das férias nessa segunda-feira, Fachin revogou com efeito retroativo essa canetada indevida de Toffoli. Mas não foi a única. Outras como atropelar a decisão do próprio Supremo para livrar o senador José Serra de investigações na Justiça Eleitoral e a suspensão do processo de impeachment do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, também podem vir a ser revogadas.
A praxe nos tribunais superiores é a divisão do plantão no judiciário entre o presidente e o vice. Desta vez, Toffoli não quis abrir espaço para o ministro Luiz Fux, seu vice, que a partir do mês que vem a ser seu sucessor na presidência do Tribunal. O mesmo aconteceu no Superior Tribunal de Justiça, em que o presidente João Otávio de Noronha não dividiu o plantão com a vice Maria Thereza de Assis Moura. Noronha também atropelou o juiz natural no Tribunal, o ministro Felix Fischer, e mandou soltar Fabrício Queiroz e a mulher dele, Márcia de Oliveira Aguiar, que estava foragida, com o ridículo argumento de que, como esposa, poderia cuidar do marido na prisão domiciliar.
Foi uma decisão de perna curta. A única dúvida sobre sua revogação, que vai mandar o famoso casal das rachadinhas da família Bolsonaro de volta para a cadeia, é quem o fará. Como Felix Fischer segue afastado por motivos de saúde, o ministro Jorge Mussi que o substitui pode decidir ou aguardar a sua volta. Só não há dúvidas que um ou outro vai revogar a inusitada medida de Noronha, em sua expectativa de ganhar pontos na corrida com Augusto Aras e o ministro da Justiça, André Mendonça, pela vaga no STF a ser aberta em novembro pela aposentadoria do decano Celso de Mello.
André Mendonça na largada saiu como favorito até por ser “terrivelmente evangélico” mas entrou na berlinda nos últimos dias. A revelação pelo repórter Rubens Valente de que uma secretaria do Ministério da Justiça, a Seopi, sob o comando do coronel Gilson Libório, estava fazendo dossiês sobre opositores ao governo, gerou um alarme na sociedade civil, no Congresso e na Justiça.
Mendonça sentiu o baque, criou uma comissão para investigar a denúncia, e demitiu o coronel Gilson Libório. Se com essas providências até ganhou pontos com todos que estavam preocupados com essa suposta bisbilhotagem, também virou alvo da tropa de choque bolsonarista. Para essa turma, ele virou suspeito de atrapalhar o projeto do presidente Bolsonaro de montar uma ampla rede, não sabe em que lado da fronteira da legalidade, que o abasteça sobre todo e qualquer tipo de informação.
Mas Bolsonaro parece dobrar a aposta. Assinou na sexta-feira (31) um decreto que cria na Abin uma nova unidade batizada de Centro de Inteligência Nacional. Entre outras atribuições, cabe a esse tal Centro planejar e executar atividades de inteligência para o “enfrentamento de ameaças à segurança e à estabilidade do Estado e da sociedade” e a produzir “inteligência corrente e a coleta estruturada de dados”. Foi nessa mesma toada a justificativa da Seopi do coronel Libório de fazer relatórios sobre policiais que se posicionam contra o fascismo e intelectuais do naipe de Paulo Sérgio Pinheiro, ex-secretário nacional dos direitos humanos, e relator da ONU para grandes humanitárias mundo afora. Tudo indefensável.
O que pode dar algum ânimo é que, por mais que avancem todos esses retrocessos contra os direitos democráticos, há reação das instituições com prerrogativas constitucionais que, aos poucos, tem conseguido recolocar as coisas nos devidos lugares. A torcida dos democratas, independentemente de preferências ideológicas, é que pelo menos consigam reduzir o prejuízo.
A conferir.