Há exatamente um ano, na sexta-feira (3) de fevereiro, morria em São Paulo a ex-primeira-dama Marisa Letícia, em decorrência de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). O marido Lula recebeu condolências do mundo inteiro e de personalidades e políticos brasileiros das mais variadas tendências.
Uma delas chamou a atenção e repercutiu na imprensa. Gilmar Mendes telefonou para Lula e, após dar os pêsames, passou o aparelho para sua mulher, Guiomar Feitosa Mendes.
O que se seguiu, de acordo com a colunista Mônica Bergamo, foi um momento de grande emoção. Aos prantos, ela ouviu de Lula: “Guiomar, você perdeu uma grande amiga. Ela gostava muito e falava sempre de você”. Elas costumavam ir juntas a shows musicais.
Como o craque Jorge Bastos Moreno registrou em maio de 2012, os dois casais eram amigos. “Em todos os aniversários, inclusive no último que passou em Brasília, comemorado só entre os íntimos, Gilmar e sua mulher Guiomar estavam lá. No Torto (granja presidencial), no Alvorada e até mesmo no restaurante Feitiço Mineiro, o casal Mendes era presença constante”.
A amizade entre Lula e Gilmar desandou em abril de 2012, em um encontro no escritório de Nelson Jobim. Lula estava empenhado em salvar os companheiros, José Dirceu à frente, no julgamento do Mensalão.
Até, então, Gilmar era tido como um bom companheiro nas hostes petistas. Havia sido decisivo para livrar, entre outros, os caciques petistas Antonio Palocci (caso Caseiro Francenildo) e Aloizio Mercadante (caso Aloprados).
O motivo da ruptura teria sido um erro tático de Lula, em uma tentativa mal calculada de acuar Gilmar, com insinuações sobre suas relações com Demóstenes Torres (flagrado como operador de Carlinhos Cachoeira).
De uma relação mais afetuosa do que a que mantém hoje com Michel Temer (nos tão criticados encontros no Jaburu), Gilmar passou a tratar Lula como desafeto. Na balada do “mexeu com Lula, mexeu comigo”, ele virou inimigo mortal dos petistas.
Isso muito antes de Gilmar se tornar, com suas polêmicas decisões judiciais, inimigo público número 1, verdadeiro consenso nacional.
Pois bem. Como previu Lula, ao encerrar a tal emocionada conversa com Guiomar Mendes: “O mundo é redondo, querida. A gente ainda vai se encontrar”.
Em discretos movimentos, os petistas têm feito críticas às hostilidades que Gilmar Mendes vem sofrendo durante voos, passeios e palestras, aqui e no exterior.
Poderia ser apenas uma solidariedade de quem também vem sendo alvo dos mesmos apupos. No contexto em que o partido resolveu pisar no freio nos ataques a juízes dos tribunais superiores, sediados em Brasília, parece mais um aceno de trégua a Gilmar Mendes.
Lula e sua entourage sabem que o voto de Gilmar pode decidir se ele vai ou não para a cadeia.
Na noite da sexta-feira (2), os advogados apresentaram ao STF um pedido de habeas-corpus para Lula não ser preso até que todos os recursos sejam jugados pelo Superior Tribunal de Justiça.
Na prática, isso significaria um drible na atual jurisprudência do STF que permite a prisão de condenados em segunda instância, caso de Lula no TRF-4, após o exame de alguns embargos, sem poder de modificar a pena de 12 anos e um mês, pelos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro.
Ignora também uma antiga e pacífica súmula do STF, a de não conceder habeas-corpus em pedidos cujo tramitação ainda não se esgotou no STJ, justamente o caso de Lula. O relator Edson Fachin teria, pelo entendimento do próprio Supremo, de negar o pedido da defesa de Lula.
Além de superar esses dois obstáculos legais, a defesa de Lula tenta outro lance igualmente ousado, pular a relatoria de Fachin, levando a questão diretamente à Segunda Turma do STF, em um verdadeiro salto triplo carpado.
Cinco ministros votam nessa turma. Dois deles são tidos como votos certos pelo petistas – Dias Toffoly e Ricardo Lewandowski -, que não contam com outros dois – o próprio Fachin e Celso de Mello.
Por esse cálculo, se conseguirem também dar uma pedalada em súmula e jurisprudência do próprio STF, a sorte de Lula ficaria nas mãos de Gilmar Mendes.
Os petistas torcem por isso, mas, no fundo, não escondem um certo temor. Avaliam que, por declarações e votos, Gilmar daria o habeas-corpus a Lula. Sabem, no entanto, que isso não é em si uma garantia – vide o desempate de Gilmar em favor da chapa Dilma Rousseff/Michel Temer na Justiça Eleitoral.
Lembram, também, que se Gilmar não tivesse barrado a posse de Lula como chefe da Casa Civil de Dilma, uma manobra para tirá-lo da alçada de Sérgio Moro, ele ainda estaria na longa e lerda fila de inquéritos e processos no STF.
Em caso de dúvida, portanto, o melhor é pegar leve com Gilmar Mendes, numa levada, digamos, simpatia é quase amor. Quem sabe, assim, ele possa ser de novo considerado um bom companheiro, pedra 90.
A conferir.