Os caciques do velho PSD, a maior escola política do país, sempre se pautaram pela sabedoria do senso comum. Driblando ou não suas convicções, eles avaliavam como se comportar diante de cada situação. Às vezes, por pragmatismo, alguns deles se portaram como sabujos. Os mais expressivos seguiram em frente com essa cultura política, que foi decisiva para o sucesso da dobradinha entre Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, décadas depois, liderarem o resgate do Brasil de uma ditadura militar.
Foi nesse caldo de cultura que se criou ou se alguns códigos que se tornaram verdadeiros dogmas na nossa política. Um dos mais famosos é o que só se promove reuniões depois de decisões antes tomadas. Nem sempre isso é possível. Às vezes, mesmo indesejado, o confronto é inevitável. O problema é quando algum político, ao propor alguma alternativa, o faz de forma tão errada que gera o resultado oposto.
Foi o que fez na noite dessa segunda-feira, que entrou pela madrugada, o governador João Doria em uma malsucedida pajelança tucana. O script, combinado com a maioria, não com todos, era dar um cartão vermelho para Aécio Neves, um cacique moribundo no partido desde que caiu em flagrante em escândalos de corrupção. Doria já havia perdido de lavada, quando parecia ter cacife, em outra tentativa de expulsar Aécio.
A expectativa é que dessa vez tivesse artilharia suficiente, previamente preparada para o novo ataque. O argumento até parecia consistente: Aécio Neves teria traído o partido na disputa pela presidência da Câmara, o que ele nega. Aliado de Doria, Bruno Araújo, presidente nacional do PSDB, estava ali para atestar a expulsão de Aécio. Sentiu que estava no mesmo cadafalso quando a tropa de choque de seu suposto aliado passou a cobrar também a sua cabeça. A alegação é de que se Doria assumisse o comando dos tucanos faria uma oposição mais eficaz.
Pior na política que desrespeitar o acertado, é trair o parceiro em um jogo combinado. Bruno Araújo chegou ao jantar como ponta de lança de Doria, saiu como adversário. De graça. Foi mais que um desastroso tiro no pé de Doria. Ele passou recibo para as principais ressalvas — lealdade e confiança — que os políticos de todos os naipes o carimbam.
Doria é cria de Geraldo Alckmin. Ganhou a primeira pecha ao apostar no tal bolsodoria nas eleições de 2018. O carimbo ficou. Aécio o usou em seu troco. O problema de Doria, além de crise de confiança, é que ele segue tentando surfar em um terreno com gente com mais vivência e malandragem do que ele. É cristão novo em um ninho tucano que se preocupa mais com a sobrevivência do que em voar. São muitos tucanos de longa plumagem que despencaram em sucessivos escândalos. Só para citar alguns que, além de Aécio, posaram como pretendentes ao Palácio do Planalto: Beto Richa, Marconi Perillo, Geraldo Alckmin e José Serra.
Superar esse campo minado já seria um desafio para Doria ou qualquer outro tucano que se apresentasse como candidato da ética na sucessão presidencial. Doria tenta driblar essa condição adversa se dizendo alternativa viável, capaz de unir um leque de forças democráticas e fora do eixo da corrupção na política. Começou até bem a semana ao convidar Rodrigo Maia e seus aliados, que tropeçaram no próprio cacife na disputa pela presidência da Câmara, a ingressarem no PSDB. Durou pouco.
Ao tentar destituir Bruno Araújo do comando do partido, perdeu de vez o comando nacional do que já não tinha. Seus desafetos no partido ampliaram as possibilidades de abandoná-lo pela estrada. Já nessa quinta-feira (11) vão bater na porta do govenador gaúcho Eduardo Leite, um novo quadro politico em ascensão nacional. Se ele apenas indicar que pode topar a parada, põe na berlinda o convite de Doria às lideranças de outros partidos para ingressarem no ninho tucano. A desconfiança se generalizou. Quem embarca nessas condições?
Assim como seu parceiro Rodrigo Maia, Doria esticou a corda além da conta e perdeu o controle dela. Os sábios caciques do velho PSD sempre apostaram no tempo para a tomada de decisões. O que importa para os políticos na vida real é a expectativa de poder, capacidade de votos, pouco importa nessa régua se a avaliação é analógica ou digital. O que vale é o que ele pode esperar das urnas.
A conferir.