Diz o ditado popular que aqui se faz, aqui se paga. Para surpresa até de seus parceiros políticos, a condução pelo ministro Dias Toffoli da operação no STF para cortar as asas de Sérgio Moro e barrar os avanços da Lava Jato vinha se saindo melhor do que a encomenda. Caso da inesperada anulação de etapas do processo em que os delatados não puderam apresentar suas razões finais após os delatados, o que, por exemplo, pode beneficiar Lula no caso do Sítio de Atibaia. Tudo corria bem até o ápice dessa estratégia, a revogação da permissão para que os condenados em duas instâncias judiciais pudessem começar a cumprir a pena.
Pelo roteiro combinado com os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, a decisão do STF de que a prisão após a segunda instância seria inconstitucional poria fim às discussões no parlamento. Só que o voto de desempate de Toffoli não endossou essa interpretação da Constituição e mandou a bola para o Congresso, onde agora fervilham propostas e articulações para restabelecer a punição após condenação em duas instâncias. A partir daí, pela ótica de seus aliados, Toffoli cometeu erros em série e comprometeu a sequência da estratégia pelo menos neste ano.
Dias antes do julgamento sobre a necessidade ou não de prévia autorização judicial para o compartilhamento de dados do antigo Coaf, da Receita Federal e do Banco Central com investigações policiais e do Ministério Público, Toffoli se envolveu em outra trapalhada.
A pretexto de avaliar o trabalho do Coaf, o presidente do STF autorizou seu acesso pessoal e de sua equipe a 19.441 relatórios de inteligência, produzidos nos últimos três anos, com os dados de cerca de 600 mil pessoas e empresas, uma montanha de informações que não tinha a menor condição de avaliar. Essa maluquice sem pé nem cabeça se tornou ainda mais inexplicável em seu confuso e contraditório voto favorável ao envio dos relatórios do Coaf para as investigações policiais e do Ministério Público sem prévia autorização judicial.
Deixou colegas do STF e aliados políticos perplexos. A avaliação agora é que o STF vai manter tudo como está, sem interferir no fluxo de informações entre órgãos públicos de controle e de investigação, que segue rigorosas normas internas e padrões internacionais. Aliás, esse assunto voltou a pauta do STF, sob aplausos de alguns criminalistas e de alvos da Lava e de outras operações sobre corrupção, por uma questão pessoal de dois ministros do próprio tribunal. Foi incluído no pacote de retaliação depois da divulgação de que as advogadas Roberta Rangel e Guiomar Feitosa, mulheres de Toffoli e Gilmar Mendes, estariam numa lista de contribuintes sob investigação por indícios de irregularidades tributárias.
Outra consequência será o adiamento do julgamento na Segunda Turma do STF do habeas-corpus que pede a suspeição de Sérgio Moro no processo que condenou Lula no caso do Tríplex do Guarujá. Os petistas já contavam com essa vitória e esperavam estendê-la aos demais processos contra Lula na Operação Lava Jato com tramitação na Justiça Federal em Curitiba, casos do Sítio de Atibaia, da compra de uma cobertura em São Bernardo e da compra de um imóvel para o Instituto Lula. Se tivessem sucesso, Lula poderia até escapar da Lei da Ficha Limpa, que o barrou em 2018, sonho do PT para colocá-lo no páreo de 2022.
Gilmar Mendes antes havia anunciado que liberaria o pedido de habeas-corpus para votação até o final do mês. Desistiu também de incluí-lo na pauta de dezembro. Ele já avisou a interlocutores que resolveu adiar o julgamento para depois do recesso parlamentar, que termina em de fevereiro do ano que vem. O pretexto foi o atraso no julgamento do Coaf causado pelo longo e confuso voto de Toffoli. Outra interpretação é de que o voto do ministro Celso de Mello, decisivo no pedido de suspeição de Sérgio Moro, tido como incerto pela turma de Gilmar Mendes, no calor das trapalhadas de Toffoli, tenderia a beneficiar Sérgio Moro. Daí a prudência de adiar a decisão para o ano que vem.
A conferir.