Quem serviu em cortes palacianas costuma enxergar o tombo de governantes por óticas peculiares e, muitas vezes, divergentes. Mas quando se trata de esperado ato final, por quem apenas cumpre tabela, nem drama causa.
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A queda de Dilma Rousseff, devotos à parte, foi recebida sem nenhuma surpresa pela turma que, na retaguarda palaciana, serve a todos os presidentes. Em uma velocidade impressionante, ela viu evaporar os mais de 54 milhões de votos recebidos em uma eleição cheia de maracutaias.
Bem antes de ser defenestrada do governo, Dilma aparecia e parecia perdida. Suas frases sem pé nem cabeça eram os sintomas mais visíveis para o público externo.
O diagnóstico de quem convivia com ela no dia a dia, inclusive ministros e líderes do PT, era bem mais rigoroso do que a impressão algo cômica difundida nas redes sociais.
Dilma se perdeu pelo caminho. Sua saída, mesmo que neguem de pés juntos, foi um alívio até para Lula e sua turma. Restou ao PT a narrativa de que ela foi apeada do poder por causa de seus méritos como governante.
Dilma caiu no limbo. É notícia de pé de página, aqui e ali, ao repetir críticas sobre sua deposição. Nas redes sociais, faz mais sucesso pela inesgotável capacidade de cometer gafes.
Na vida e na política, às vezes se fica prisioneiro da própria palavra.
O PT apostou na narrativa do golpe contra Dilma como carro chefe na campanha eleitoral de 2016. Quebrou a cara, tomou uma surra.
Mesmo assim, não se livrou do pepino. Mesmo cassada pelo Senado, graças à pedalada na Constituição da dupla Renan Calheiros/Ricardo Lewandowski, Dilma manteve seus direitos políticos.
Se Dilma já enfrentava dificuldades no PT com Lula puxando o bloco, sem ele, fora do páreo depois de se tornar ficha suja, ela parece ter se tornado apenas um estorvo.
Mas não é assim que ela se vê. Acreditou no enredo de que pode dar a volta por cima como senadora. No primeiro balão de ensaio, ciscou no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, na ilusão de seguir a mesma rota de Leonel Brizola.
Como os petistas gaúchos tentam se distanciar do pântano em que Lula e outros caciques do partido mergulharam, Dilma não se criou. Mesmo tendo longa militância por lá, encontrou as portas fechadas. Paulo Paim, fora dos escândalos, vai concorrer à reeleição.
Se fosse mesmo para valer, o Rio seria um bom teste. Mesmo sendo um estado em que o PT quase sempre jogou na segunda divisão, ali ainda ecoa, em rodas acadêmicas e artísticas, a tal narrativa do golpe. O problema é que os parceiros bons de voto foram atropelados pela Lava Jato — Sérgio Cabral na cadeia e Luiz Fernando Pezão, um de seus queridinhos, contando os dias para deixar de ser zumbi no Palácio Guanabara.
O PT do Rio também não quer queimar suas poucas fichas com Dilma. Assim, nos páreos em que poderia concorrer, com pretensão de dar, digamos, pelo menos uma meia volta por cima, sobrou Minas Gerais. Ela é mineira, viveu em Belo Horizonte até que a luta contra a ditadura a levasse para outros estados.
Em 2014, em um desempenho excepcional, ela venceu Aécio até então tido como imbatível em Minas Gerais. De nada valem essas credenciais. Nem o fato de Fernando Pimentel e Dilma serem amigos desde a militância no movimento estudantil.
Encrencado em escândalos, Pimentel é um dos políticos em que as opções no horizonte são o palácio ou a cadeia.
Nesse jogo, Dilma é peça descartável. Pimentel negocia com quem pode ajudá-lo a se reeleger. Odair Cunha, coordenador de sua campanha à reeleição, já avisou que não há vaga para Dilma.
Além disso, como Helena Chagas registrou aqui, tem gente tentando costurar um acordo tácito em Minas entre Pimentel e Aécio Neves. Mesmo que sob os panos, um ajudaria a reeleição do outro.
Fora do jogo no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, Dilma vira aspirante ao figurino consagrado por José Sarney – buscar o foro privilegiado onde quer que se possa obtê-lo. Mesmo que se chegue lá de paraquedas.
Sarney foi salvo pelo Amapá. De acordo com pesquisas encomendadas pelo PT, em que a inclusão de Minas parece ser apenas jogo de cena, Dilma vai ser avaliada como candidata ao Senado no Piauí, Maranhão e Tocantins.
Incluir o Maranhão entre as opções de Dilma, com sua notória falta de cintura política, chega a ser maldade. Lá, o trunfo de Dilma seria o apoio do governador Flávio Dino, do PC do B, aguerrido aliado na luta contra o impeachment.
Na tentativa de se reeleger, Dino busca mesmo é o apoio de Lula para sua batalha decisiva contra o clã Sarney. Se conseguisse, Dilma entraria como contrapeso.
O problema, com Lula dentro ou fora do páreo presidencial, são créditos passados, presentes e, talvez, futuros acumulados por Sarney que os saca sempre que o PT ameaça abandoná-lo nos embates maranhenses.
Lula nunca decepciona Sarney. Ainda mais agora que ele, Sepúlveda Pertence e Luiz Carlos Sigmaringa são sua melhor aposta para escapar da cadeia. Dilma pode esperar sentada que Lula troque sua parceria com Sarney para ajudá-la num duvidoso projeto eleitoral no Maranhão.
Até para Dilma seria constrangedor. Ela teria que disputar com Edison Lobão, um de seus queridinhos enquanto inquilina do Palácio do Planalto.
A alternativa Tocantins é outra ilusão. Se sustenta apenas na suposta ajuda eleitoral de Kátia Abreu, uma adversária que virou a melhor amiga. Os fazendeiros que apoiam Kátia se arrepiam todo com as ideias de Dilma sobre conflitos agrários.
O Piauí, sim, poderia ser uma opção. Ali, o governador petista Wellington Dias, candidato à reeleição, continua com bom cacife eleitoral. Mas os petistas de lá também não gostam da ideia de abrir vaga para Dilma.
Como Dias já anunciou apoio à reeleição de Ciro Nogueira, presidente nacional do PP, sobra apenas uma vaga para o Senado em sua chapa. Há vários pretendentes.
Dilma sequer está na fila. Os aliados pedem preferência. O próprio PT também. Assis Carvalho, presidente do PT, descarta Dilma e afirma que quem deve concorrer na segunda vaga é a atual senadora petista Regina Souza.
Enfim, Dilma é apresentada como heroína na desbotada narrativa petista sobre a sua deposição. Mesmo assim, ninguém quer correr o risco de dividir o palanque com ela.
A conferir.