Por gosto, cacoete ou necessidade profissional, há quem acompanhe, ao vivo, pela tevê ou internet, os embates oratórios nas sessões da Câmara e do Senado.
Desde sempre foram teatrais, aqui e alhures. Houve um tempo em eram até agradáveis. Nem a ditadura conseguiu tirar o brilho de discursos e debates memoráveis.
Tempos em que os políticos pelo menos se ouviam. Em meio a um festival de selfies, algazarras colegiais, olhos fixos nas telas de seus smartphones, ninguém mais presta atenção em ninguém.
É nessa feira livre que quase todos vendem seus peixes.
Mesmo os estragados.
No bom exercício de oposição, parlamentares petistas e aliados detonam a gestão Michel Temer, o que pode ser feito com um pé nas costas, dificuldade zero.
O mote desse enredo continua sendo “o golpe” que depôs Dilma Rousseff. Até aí coerente com o discurso deles desde o processo de impeachment. Batem também nas reformas promovidas pela gestão Temer que consideram um retrocesso social – igual coerência.
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O que me espantou — devo ser um dos poucos que, às vezes, presta atenção no blá-blá-blá de políticos de quase todos os partidos nas sessões plenárias – é a evolução do tal discurso anti-golpe.
O que antes era a condenação do processo de impeachment para implantar uma agenda liberal começa a mudar de tom com as pesquisas que mostram a popularidade de Temer em direção ao volume morto.
A gestão Dilma em si sequer aparecia nesse discurso. Falava-se nas conquistas dos governos petistas, sempre com ênfase em Lula.
Agora, aqui e ali, parlamentares dizem na tribuna que Dilma foi derrubada pelos descontentes com os avanços sociais de seu governo. O baixo clero petista, deputados pouco conhecidos fora de suas bases, nos ataques a Temer subiram o tom e passaram a exaltar a gestão Dilma.
Atribuem aos que se sentiram incomodados com a redução da pobreza o golpe parlamentar, alimentado por uma imprensa a serviço das elites econômicas, com a complacência do Judiciário.
Pelo que dizem, a ampla rejeição a Temer no mínimo seria a redenção de Dilma.
Uma nova candidatura presidencial de Lula ainda é uma incógnita. Depende da Justiça. Os petistas estão divididos sobre o que fazer se o veto a Lula se confirmar. Uns pregam boicote às eleições, outros especulam sobre um plano B.
No caso de prevalecer o lançamento de um candidato alternativo, aparecem no páreo petista o ex-prefeito Fernando Haddad e o ex-governador Jaques Wagner.
Dilma, não. Por uma manobra da dupla Ricardo Lewandowski e Renan Calheiros, o Senado tirou Dilma do poder mas manteve seus direitos políticos, em uma escancarada pedalada constitucional.
Portanto, ela está apta a se candidatar.
Se caiu por causa de seus méritos como governante, como repete o novo coro petista, seria natural que ela fosse a primeira da fila. Seria um belo troco do PT a ser chancelado pelos eleitores.
Quem sabe em um inusitado terceiro turno.
Na eleição presidencial de 2014, o confronto final entre Dilma e Aécio deixou sequelas. Todas elas agravadas pelo o que se descobriu sobre eles depois.
Pior. De um jeito ou de outro, ambos viraram peixes estragados.
Discursos à parte, ninguém os compra. Nem seus partidos.
Tudo os que tucanos querem, e não sabem como fazer, é se descolar de Aécio. O PT não quer nem ouvir falar na hipótese de escalar Dilma para nova corrida ao Palácio do Planalto.
Discursos à parte, essa é a realidade.
Simples assim.