Gilmar Mendes mudou de status nas redes sociais, nas conversas de botequins e até nas reuniões de militantes petistas. Os que antes pediam seu impeachment por uma penca de suspeitas agora dizem que não é bem assim.
Desde fevereiro, aconselhados por advogados, os petistas baixaram a bola com Gilmar. Como naquela época escrevi aqui, ele era considerado, nas hostes petistas, como o voto decisivo na Segunda Turma do STF para aprovar um habeas-corpus para Lula.
A manobra não deu certo porque o relator Edson Fachin deu um drible na turma e repassou a bola para o plenário, onde Lula, tempos depois, perdeu por 6 a 5, o que abriu o caminho para sua prisão.
Mas o namoro com Gilmar não acabou.
Lula e Gilmar já foram bons companheiros. Tiveram boas relações familiares. Suas mulheres foram amigas.
Além disso, os petistas eram gratos pelo desempenho de Gilmar em momentos bem delicados. Sua atuação, por exemplo, foi decisiva, entre outros casos, para livrar os caciques do partido Antonio Palocci (caso Caseiro Francenildo) e Aloizio Mercadante (caso Aloprados).
Como se sabe, o motivo da ruptura teria sido um erro tático de Lula, em uma tentativa mal calculada, de acuar Gilmar, com insinuações sobre suas relações com Demóstenes Torres (flagrado como operador de Carlinhos Cachoeira).
As relações ficaram mais estremecidas quando Gilmar barrou a posse de Lula como chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, uma manobra para tirá-lo da alçada de Sérgio Moro. Se tivesse dado certo, Lula ainda estaria livre, leve e solto na longa e lerda fila de inquéritos e processos no STF.
Mas, depois da condenação unânime por corrupção e lavagem de dinheiro pelo TRF-4, a casa caiu. Táticas e estratégias da defesa de Lula, talvez por falta de boas alegações, de peitar a Justiça se mostraram um fiasco.
Foi a hora de convocar uma tropa de elite, bem mais qualificada. Sepúlveda Pertence, Luiz Carlos Sigmaringa e outros advogados que conhecem os caminhos das pedras em Brasília aconselharam Lula e o PT a abandonar a tática de confronto para as batalhas nas instâncias superiores.
Quem tem responsabilidade no partido entendeu o recado. Apesar dos rompantes de Gleisi Hoffmann e Lindbergh Farias, uma dupla do barulho, a turma do bom senso avalia que está conseguindo baixar a bola.
O jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, ponta de lança na defesa do impeachment de Gilmar Mendes, esteve com ele em Brasília e, pelo que se diz no mundo petista, saiu satisfeito da conversa. Não teve o mesmo sucesso com Rosa Weber, que alegou falta de espaço na agenda para não recebe-lo. Outros emissários da defesa de Lula também tem feito o dever de casa na difícil missão de conseguir um alvará de soltura.
Até mesmo quem dobrava as apostas na tática do confronto começa a buscar outros caminhos. O deputado Wadih Damous, ex-presidente da OAB no Rio de Janeiro, é um dos petistas mais estridentes no combate a atuação do Ministério Público e de juízes federais na Lava Jato e em outras investigações. Ele, também, foi um dos negociadores da entrega de Lula, após a missa comício em São Bernardo, à Polícia Federal.
Em um vídeo que já viralizou na internet, Wadih Damous, em uma reunião com militantes do PT, tenta ser didático e pragmático sobre o que o partido deve fazer após a prisão de Lula.
Ele começa com uma autocrítica que, se adotada pelo PT, põe por terra qualquer tentativa do partido de sair do pântano em que se meteu. Detona a Lei da Ficha Limpa, tida pela população como um dos maiores avanços contra a corrupção e a impunidade.
Diz Wadih:
“O PT embarcou nessa onda moralista lá atrás. O que que é a Lei da Ficha Limpa? A Lei da Ficha Limpa significa dizer o seguinte: o povo não sabe escolher, quem escolhe é o Poder Judiciário. Que o povo é burro, o povo só escolhe bandido”.
Depois de rasgar essa fantasia, Wadih explicou como deve ser a nova relação, mesmo que temporária, do partido com Gilmar Mendes:
“Eu tive ontem com Gilmar. Nós fomos lá levar as denúncias de Tacla Duran (um operador da Odebrecht que contesta denúncias da delação premiada de donos e executivos da empresa). Quem vai botar a boca no trombone para apurar as denúncias é o Gilmar Mendes. Então, assim, nós temos que aprender o jogo do xadrez e fazer política”.
E arrematou com clareza: “O Gilmar hoje é nosso aliado, amanhã volta a ser nosso inimigo, mas hoje ele é nosso aliado. E nós somos aliados dele”.
Nas redes sociais, devotos de Lula, que antes desencavam Gilmar Mendes, agora proclamam coisas tipo “Força, Gilmar”.
Faz lembrar o belíssimo Soneto de Fidelidade, de Vinícius de Moraes, em que fala sobre o amor e, no fecho do poema, consagra os versos: “Que não seja imortal, posto que é chama/ Mas que seja infinito enquanto dure”.
Simples assim.
Nota de Mercadante:
Em relação ao texto “Desespero do PT faz de Gilmar guerreiro do povo brasileiro”, que cita o chamado escândalo dos aloprados, episódio ocorrido em 2006, durante a campanha ao governo de São Paulo, esclarecemos que o ex-ministro Aloizio Mercadante foi inocentado pelos rigorosos procuradores da República Antonio Fernando de Souza e Roberto Gurgel.
Por unanimidade, também foi inocentado pelos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Na ocasião, todos votaram pela nulidade e pelo arquivamento em função da inexistência de quaisquer indícios de participação do então candidato Aloizio Mercadante no episódio. O ministro Gilmar Mendes pediu vistas e, depois, seguiu o voto do relator e a indicação da própria PGR, que pediram a nulidade e o arquivamento do referido processo.
Assessoria de Imprensa do ex-ministro Aloizio Mercadante