O principal nó a ser desatado na reforma da Previdência é a disparidade entre os benefícios aos inativos do setor público aos que se concedem aos aposentados do INSS. Mexer para valer nesse vespeiro é enfrentar as poderosas corporações públicas e parece ser a única maneira de receber o apoio da grande maioria da população, excluída do rateio desses privilégios. É uma parada dura, talvez indigesta.
Essas corporações até concordam com a necessidade de reduzir a gritante desigualdade, desde que não tenham que abrir mão de nenhuma vantagem incorporada ao longo dos anos. Pelo contrário. Juízes, militares, policiais, procuradores, auditores e outras carreiras públicas com estabilidade no emprego não se enxergam privilegiadas, mas, sim, como mal recompensadas pelos serviços que prestam.
Os juízes, por exemplo, deveriam comemorar nas festas deste fim de ano o reajuste de 16,3% em seus salários — aumento com efeito cascata que, nesses tempos de rombo nas contas públicas, irritou os contribuintes —, mas continuam insatisfeitos. Querem mais. Os procuradores da República estão na mesma trincheira e todas as outras categorias públicas assistem o embate de camarote com interessada expectativa.
Uma das reivindicações de juízes e procuradores é a revisão da regra apresentada por Dias Toffoli, recém aprovada por seus conselhos nacionais, para restringir a concessão do auxílio-moradia — uma ajuda de custo, livre de imposto, a ser concedida em casos específicos, que havia se tornado uma farra salarial. Eles planejam a mudança por intermédio de uma resolução conjunta do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público). “Há espaço para que ela seja revisada, com uma discussão mais aprofundada”, diz o juiz Fernando Mendes, presidente da Ajufe, entidade dos juízes federais.
Os procuradores vão na mesma toada. “O CNJ impôs a sua vontade. Não se tratou de nenhuma negociação. O CNMP, infelizmente, acatou sem nenhuma necessidade. O Conselho recebeu o texto e dois minutos depois estava aprovado”, reclama José Robalinho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República.
O problema é que no Judiciário quando se abre alguma brecha por onde passa um boi sempre vai passar a boiada. Assim, dezenas de penduricalhos engordaram vencimentos e geraram supersalários nos tribunais em todo o país. De tempos em tempos, o Conselho Nacional de Justiça vai à luta para abrir caixas-pretas que escondem contracheques com estratosféricos valores. O ex-presidente do STF Nelson Jobim comprou essa briga, mas não conseguiu acabar com a farra salarial. A última investida foi na gestão de Cármen Lúcia, com aparente sucesso. O difícil é fechar a fábrica de penduricalhos.
Expedientes para engordar salários continuam na pauta das associações de juízes. Um deles é a ressurreição do adicional por tempo de serviço — a cada cinco anos de trabalhado, um aumento de 5%. Esse penduricalho vigorou até 2003, quando foi incorporado em definitivo com a regra de que os vencimentos não poderiam ultrapassar o teto salarial.
É evidente a necessidade de acabar com privilégios injustificáveis — o que também inclui desonerações e benesses para setores econômicos, com o apoio de entidades empresariais — e aprovar reformas que reduzam custos e aumentem a eficiência dos serviços públicos. Além disso, é preciso fechar os ralos do desperdício e da corrupção com dinheiro público. Tudo isso mexe com interesses de corporações poderosas.
Com seu propalado choque liberal, o superministro Paulo Guedes anuncia que o governo Bolsonaro vai mexer nesses vespeiros.
A conferir.