Desde a Roma Antiga, a toga é símbolo de poder. Nelson Jobim adorava dizer que, acima do STF, só Deus. Seus colegas de tribunal acreditaram nisso. Em sua longa história, como todas as instituições, o Supremo alternou bons e maus momentos.
No julgamento do Mensalão, o tribunal quebrou a regra da impunidade dos poderosos e ganhou o respeito do país. Mesmo com egos exacerbados pela celebridade instantânea, ali prevaleceu o colegiado.
De lá pra cá, cada juiz virou supremo. Gilmar Mendes, com a arrogância habitual, proclamou isso como uma virtude.
O colegiado foi pro espaço. Alguns ministros ignoram jurisprudências, decisões conjuntas, e votam de acordo com seus alinhamentos externos ou o que lhes der na telha.
As decisões viraram loteria. Há, por exemplo, quem aposte em múltiplos recursos na expectativa de que um deles, por sorteio, caia nas mãos de um ministro, digamos, simpático à causa.
Nem precisa ser. Basta que integre uma das duas Turmas do STF: a Primeira prende, a Segunda solta.
Além dos holofotes, o que levou o Supremo, guardião da segurança jurídica, a essa encruzilhada?
Quem defende as elites políticas, econômicas e burocráticas – pela primeira vez na história no banco dos réus – atribui a sinuca do tribunal a um suposto voluntarismo da presidente Cármen Lúcia e dos ministros que a apoiam.
Na ótica deles, a impunidade eterna dos poderosos, além de fato histórico, obedece à Constituição, interpretação sob medida para sua clientela.
Tudo isso, junto e misturado, realmente é caldo de cultura para a saia justa no STF.
O mais relevante, porém, nem foi essa ilusão de alguns ministros de ascensão aos céus. O problema foi a queda.
Com todas as contradições, o Tribunal havia se afirmado como a derradeira barreira contra a corrupção escancarada no país. Depois do Mensalão, a Lava Jato seria um novo patamar. Afastaram do cargo e mandaram para a cadeia Eduardo Cunha, no auge de seu poder como presidente da Câmara dos Deputados.
Mesmo com a pulga atrás da orelha, Delcídio do Amaral foi dormir como poderoso líder do governo Dilma Rousseff e acordou com os federais batendo na porta com mandado para sua prisão.
Com decisões exemplares e espetaculares, o Supremo nadava de braçada. Jogava, no entanto, contra uma equipe de aspirantes. Eduardo Cunha e Delcídio, por mais cacife que seus cargos lhe dessem, eram reservas no time que realmente dá as cartas no jogo em Brasília.
O caso Renan Calheiros, voluntarismo do ministro Marco Aurélio Mello, deu a senha para a reviravolta. Mais do que o conselho de Gilmar Mendes de que dava para peitar a decisão, as boas relações de Renan com os colegas senadores, pesou a benção do cauteloso José Sarney para o confronto.
Desde a Constituinte, Sarney escolheu a Justiça como foco. Sempre apostou suas fichas nesse jogo. Deu certo. Ganhou todas as batalhas.
O Supremo teve a chance de se reabilitar com o caso Aécio Neves. Não se tratava de aventura de algum ministro. Mas da decisão da sua Primeira Turma, em que, por sinal, Marco Aurélio foi voto vencido.
Aécio faz parte da turma abençoada por Sarney. Depois da vitória com Renan, a tropa partiu com tudo para cima de Cármen Lúcia. Zonza com as ameaças de crise institucional, ela amarelou e decidiu a parada com um voto em que se mostrou envergonhada.
Depois desses vexames, Cármen Lúcia resolveu resistir ao jogo de sempre em favor dos intocáveis da República.
Ocorre que a bola da vez é Lula.
Por si só, a pressão é muito maior.
Ganha ainda mais força com Michel Temer e Aécio Neves, ambos também na mira da Justiça, empenhados em mudar a jurisprudência do Supremo de que condenados em segunda instância podem começar a cumprir pena. Isso pode salvar Lula agora, Aécio e Temer daqui a pouco.
O irônico nessa história é que, nas redes sociais e nas ruas, tem gente brigando em nome de quem, por baixo do pano, joga junto pelo mesmo propósito de escapar da cadeia.
Vão conseguir?
A conferir.