A primeira impressão de quem assistiu o vídeo postado pelo “guru” Olavo de Carvalho na madrugada de domingo foi de um surto em que mesclava carência e delírio ao choramingar por sua amizade não correspondida por Jair Bolsonaro. Após lamentar que o presidente não faz nada para ajudá-lo de uma suposta milícia digital que, por sua extensão e longevidade, seria inédita no mundo, esbravejou contra o “covarde” Bolsonaro, apontado como pau mandado dos generais que o cercam.
A surpresa durou pouco. Não era apenas desagrado contra a gestão de Bolsonaro. Ele justificou sua revolta contra o presidente. “O que ele fez para me defender? Bosta nenhuma. Chega lá, me dá uma condecoraçãozinha… enfia essa condecoração no seu cu. Essas multas que esses caras estão cobrando de mim, vão me arruinar totalmente. Como é que eu vou poder sobreviver aqui nos Estados Unidos sem nenhum tostão furado?”.
Talvez inspirado pelo Centrão, com velhos especialistas em cobrar caro por serviços que nem sempre entregam, Olavo de Carvalho também quer aumentar sua fatia no butim. Não lhe basta a influência, bem maior que a do próprio Centrão, com discípulos reais ou por puro oportunismo nos ministérios da Educação, Relações Exteriores, Meio Ambiente e Cidadania e no próprio Palácio do Planalto. Sem incluir os benefícios em seus crescentes negócios pela fama de guru do clã Bolsonaro.
No seu perfil #opróprioolavo no Twitter vende-se múltiplas mercadorias como livros, cursos,seminários e até a assinatura do jornal digital Brasil Sem Medo. Mas, na sua ânsia de faturar, Olavo ameaçou os generais palacianos “vendidos ou covardes” e disse que ele próprio poderia derrubar Bolsonaro. Seu apelo ouvido. Não se sabe se por iniciativa própria ou por sugestão, o empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, resolveu apelar aos colegas empresários em um grupo de Whatsapp ajuda para atender a explícita cobrança de Olavo de Carvalho. “Temos que ajudá-lo financeiramente. Está chateado, precisa de mais ajuda para continuar lutando pelo Brasil”.
Hang foi o único a se manifestar. O presidente e todo seu clã fizeram de conta que Bolsonaro não foi xingado, ameaçado e cobrado pelo guru da turma. O Estadão que teve acesso às mensagens trocadas nesse grupo de empresários na rede social revelou que o apelo foi mal recebido. “Pede para ele vir ao Brasil, então. De longe, é fácil”, reagiu um dos interlocutores de Hang. Outro foi mais duro. “Deve estar ficando louco”. Um terceiro foi mais preciso. “Ele vive de criar polêmica. Em cada uma criada, ele consegue vender cursos online para incautos. Vejo como má fé”.
Mas por que, mesmo com a diversidade de novos negócios a partir da imagem de guru do governo Bolsonaro, Olavo de Carvalho reclama de dinheiro?. O pretexto foi a decisão semana passada da juíza Renata Oliveira e Castro, de um vara cível do Rio de Janeiro, que julgou improcedente a impugnação do cumprimento de uma sentença de 2017 que condenou Olavo de Carvalho a pagar uma multa milionária por simplesmente ignorar uma decisão judicial.
Como alguns de seus discípulos, o guru dos Bolsonaro se acha acima da lei. Primeiro, ele foi condenado a apagar em suas redes a acusação de que Caetano Veloso seria pedófilo por ter começado a namorar sua mulher e empresária Paulo Lavigne quando ela era menor de idade. Ele se recusou a cumprir a sentença. A punição foi essa multa milionária, no valor de R$2,8 milhões, agora mantida. Como cabe recurso, esse drama todo parece encenação para uma grande mordida, seja no governo ou no bolso de empresários aliados.
Desde o fim da ditadura militar, os governos que, por seus próprios erros, entraram em espiral de queda por causa da soma de escândalos e perda de popularidade viraram presas de velhos e novos parceiros. A exceção foi Michel Temer, um craque em barganhas com parlamentares. Fernando Collor e Dilma Rousseff, nem entregando nacos de poder para quem antes desprezavam, conseguiram sobreviver. Situação bem parecida com a de Bolsonaro que, como seus antecessores caçador de marajás e faxineira, se despe agora da fantasia de paladino contra a velha política.
Parece uma reprise de um velho filme. Quanto mais Bolsonaro ceder aos gulosos de todos os naipes, do Centrão à chamada ala ideológica, sem contar a romaria de pastores evangélicos e gestores conservadores de rádios e tevês católicas, se não reverter a curva de queda de sua popularidade, mais cobrança receberá. Quando o guardião do tesouro abre o cofre para conter sua sangria pública o risco é de gastar o que não tem, desagradar os donos do dinheiro, e sequer ter como cobrar o que pagou.
Por mais esperto ou golpista que seja, são políticos que correm risco de entrar na história como mais um otário a cair por méritos próprios em um conto do vigário.
A conferir.