Às vezes, o difícil é encaixar um exemplo que escancare o geral. Dificuldade igual é a escolha quando há fartura deles. Imagine, então, quando, por qualquer desses critérios, nada mais nos causa espanto.
A tetralogia saideira de Rodrigo Janot em que, numa apartada síntese, descreve como PT, PP, PMDB do Senado e da Câmara se juntaram em um quadrilhão, brigaram, e se lambuzaram, em um duradouro assalto aos cofres públicos, nem novidade é. Nem foram os únicos.
De um jeito ou de outro, quase ninguém com algum poder, em qualquer escala, escapa da promiscuidade entre as elites políticas, econômicas, corporativas… Do mundinho em Brasília, que rende muito, às parcerias de franjas estatais com as mais diversas facções criminosas país afora, também bem rentáveis.
A novidade é o holofote sobre tudo isso. Há quem ache que tanto escândalo canse.
O surpreendente é que nada disso abale a cara de pau de grandes caciques da política. Lula e Temer, por exemplo, continuam falando como se nada estivesse acontecendo.
Nessa quinta-feira (14), em Tocantins, Michel Temer, em sua troca de flechas com Janot, saiu em defesa da lei contra o abuso de autoridade, bandeira de Renan Calheiros e Gilmar Mendes, que mira na Lava Jato, mas sempre teve uma justificativa mais nobre.
Seria uma salvaguarda de todo e qualquer cidadão contra abusos desde o guarda da esquina. O que seria bom.
Pois bem. Temer despiu o projeto dessa suposta boa intenção. Foi explícito: “Nós não somos autoridades, somos autoridades constituídas. A única autoridade existente no sistema é a lei, e a Constituição. Então, quando se fala em abuso de autoridade, eu costumo dizer que não é abuso de autoridade contra o presidente, contra o governador, contra o deputado, é quando ultrapassa o limite da lei, daí é que há violação da autoridade, uma coisa que devemos evitar no Brasil”.
Quer dizer, a violação da autoridade é o suposto abuso contra eles. Claro assim.
O desbocado Ciro Gomes, metralhadora giratória, sentiu que o petardo de Antonio Palocci abalou Lula, seu braço direito, e também partiu para cima. Pegou no pé no namoro de Lula com Renan, Sarney e outros caciques do PMDB quando o PT, de boca para fora, continua a chamá-los de golpistas.
Ciro deu um tiro certeiro: Lula está achando que o povo é imbecil. Com ou sem interrogação, é forte.
Ficou ainda mais claro depois do novo depoimento de Lula ao juiz Sérgio Moro.
Ali, Lula tentou responder a Palocci.”Conheço o Palocci bem. O Palocci, se não fosse ser humano, seria um simulador. É tão esperto que é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade”.
Não soou como um bom improviso. Pareceu mais um ensaiado arremedo do poeta fingidor de Fernando Pessoa.
Pra quem não lembra:
“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente”.
Tanto pode servir para Palocci como para o próprio Lula, que também disse preferir morrer a entrar para a história como um mentiroso.
A conferir.