Diferente da Câmara, em que se avalia a capacidade de somar votos, no Senado a unidade é um valor em si. Os deputados são eleitos pelo voto proporcional, estados mais populosos formam as maiores bancadas. No Senado, cada unidade da federação elege os mesmos três senadores, a representação de Roraima é igual a de São Paulo, uns com apoio de milhões outros de alguns milhares.
Por esse critério federativo, por serem ampla maioria na distribuição geográfica, representantes do Norte e do Nordeste há décadas presidem o Senado. Desde o começo da década de 90 todos os presidentes do Senado chegaram ao parlamento pelas mãos dos eleitores do Norte e do Nordeste. Inclusive os que assumiram pelas renúncias de Antônio Carlos Magalhães, Jader Barbalho e Renan Calheiros, envolvidos em escândalos, com a única exceção de Rames Tebet (MS) — pai da senadora Simone Tebet, candidata hoje à presidência do Senado.
Essa longa tradição — aliada a outra de que cabe a maior bancada partidária a indicação do presidente da Casa — virou pano de fundo para a estratégia da turma que há décadas dá as cartas no Senado tentar continuar no poder. Mesmo tendo sofrido fortes baixas nas urnas- foram derrotados Romero Jucá, Edson Lobão, Eunício Oliveira, Valdir Raupp, entre outros –, os que sobreviveram, como Renan Calheiros e Jader Barbalho, com o aval de José Sarney, tentam se manter à tona.
Faz tempo que Sarney e Jader só atuam nos bastidores. Renan é o cara da ribalta. Antes mesmo do desfecho eleitoral no segundo turno, sua turma plantou a primeira semente, com uma suposta contabilidade de que ele já tinha o apoio de metade dos senadores para voltar ao comando do Senado. As urnas acabavam de dar um cavalo de pau na composição do Senado e seu MDB encolhido. Mesmo sendo uma história de carochinha, foi comprada pelo valor de face por parte da mídia que cobre política.
As plantações de Renan continuam rendendo abobrinhas. A mais nova é de que ele tem apoio dentro e fora do Senado, mas, magnânimo, admite abrir mão para um outro candidato de centro. Quando foi candidato a vera, Renan, com as lições recebidas de Sarney, escondia as cartas para conseguir ser ungido na hora da decisão.
Quem acompanha de perto o que está rolando nos bastidores do Senado, entre os remanescentes e os que estão chegando, já descarta Renan do baralho. A carta escolhida por seu time é o senador reeleito Eduardo Braga (AM). É com ela que esperam vencer a disputa interna no MDB. Está difícil de emplacar inclusive na própria bancada do MDB.
O que dava gás ao grupo de Renan era o mesmo combustível que agora pode derrotá-lo. O carro-chefe deles era a pregação da defesa das prerrogativas parlamentares diante de supostos abusos judiciais, a necessidade de enquadrar o Ministério Público e a Polícia Federal, e conter a Lava Jato. Como sempre, o alvo deles era o juiz Sérgio Moro.
O primeiro tropeço foi nas urnas. A estridente tropa de choque contra as investigações sobre corrupção de políticos — Romero Jucá, Lindbergh Farias, Vanessa Grazziotin, Roberto Requião, João Alberto, Edson Lobão, Gleisi Hoffmann — foi dizimada pelas urnas. Com mais quatro anos de mandato, o intrépido Fernando Collor simplesmente fugiu da avaliação dos eleitores alagoanos.
A agenda para enquadrar Ministério Público e Polícia Federal, portanto, foi amplamente rejeitada pelos eleitores. O pior, no entanto, para essa turma, que se preparava para um revide contra a Lava Jato, veio depois das eleições.
Ao aceitar ser superministro da Justiça no governo Bolsonaro, Moro assumiu o comando de todas as tropas do estado brasileiro para esse combate. Desarmou, mais uma vez, o jogo de Renan, Jader e Sarney. E de aliados deles como Ciro Nogueir
Em vez de dar as cartas no Senado como esperavam, eles agora vão ter que encarar a agenda legislativa de Sérgio Moro, antes bancada pela opinião pública, agora impulsionada por Bolsonaro.
Os aliados de Bolsonaro no Senado buscam ampliar sua base de apoio. Conversam com senadores de vários partidos que vão participar da próxima legislatura. Dizem que o foco não é inchar os partidos governistas. Mesmo assim, contabilizam, por exemplo que dois dos cinco senadores eleitos pela Rede vão trocar de time e ingressar no PSL de Bolsonaro.
O surpreendente é que o próprio Bolsonaro estaria indo pessoalmente à luta. Fora da agenda pública, ele tem recebido senadores de partidos não alinhados. Do PSDB, por exemplo. Um deles me disse que o propósito dessas conversas é a busca de uma alternativa para pôr fim à hegemonia da turma que no MDB há décadas manda no Senado. Por esse entendimento, a prioridade do MDB como maior bancada só não será contestada se o senador ou senadora escolhido não for da turma de Renan e Sarney e não faça oposição ao governo Bolsonaro.
A conferir.