Ao jogar a toalha durante a segunda votação para a presidência do Senado, Renan Calheiros entregou os pontos em um guerra de posições que vai muito além de sua derrota pessoal. Mais que as peças no tabuleiro, em um processo repleto de protagonistas casuais, o que estava em disputa era um dique para as ondas que varreram o país nas eleições.
Com boa lábia e os blefes de sempre, Renan conduziu caciques políticos a uma derrota evitável no campo de batalha que lhes era mais favorável. Conseguiu iludir até José Sarney, ainda oráculo em Brasília. Tão logo recuperou o fôlego após o vendaval eleitoral, que soprou forte no Maranhão, Sarney comemorou a sobrevivência de alguns aliados. Previu que Renan, vitorioso em Alagoas, aproveitaria seu cacife em Brasília para se manter forte, sem se expor de maneira desnecessária. Bastava articular um comando consensual para o Senado e se preservar num cargo estratégico como a presidência da Comissão de Constituição e Justiça.
Renan convenceu Sarney que tinha cacife para um voo bem maior. Começou aí a sequência de erros que resultou na derrota de um grupo que há décadas mantém o controle do Senado. Por causa desse extraordinário cacife, tem dado as cartas também em outros poderes da República. As eleições causaram turbulências nesse mar de tranquilidade, até então revolto apenas pelos escândalos revelados pela Lava Jato e outras investigações sobre corrupção na política.
Os estrategistas de Renan enxergaram o óbvio — com a derrota generalizada de quem tentou a reeleição e a chegada de inúmeros navegantes sem a menor noção de como funciona essa peculiar instituição, as urnas tornaram o Senado uma terra de ninguém. Diagnóstico certo, receita errada. Eles avaliaram que esse cenário seria um passeio para as poucas águias reeleitas, como Renan, Jader Barbalho e Eduardo Braga, tomar conta da Casa.
Entraram no jogo com a intenção de ganhar por WO. Começaram espalhando no ano passado que Renan Calheiros largava na disputa pela presidência do Senado com o apoio de 40 dos 81 senadores. Ninguém sabia direito o que pensavam senadores eleitos de surpresa para os próprios eleitores. Mais que o chute impressionou como boa parte da imprensa acreditou nessa lorota. Daí não levarem muito a sério quando a senadora Simone Tebet se apresentou como uma alternativa a Renan no MDB.
Nem quando os 40 viraram 30 em outra contabilidade pouco crível os números foram contestados. Durante o recesso parlamentar, pipocaram previsões altamente favoráveis a Renan. Uma delas, atribuída a Sarney, computava 53 votos seguros para Renan, uma inflação de votos sob medida para tirar Simone Tebet do páreo no MDB e assustar concorrentes de outros partidos. Não colou. Mesmo com a filiação na véspera de Eduardo Gomes, a ausência mal explicada de Jarbas Vasconcelos, e o comportamento dúbio de Fernando Bezerra, Renan venceu Simone por apenas 7 votos a 5. Soou como derrota.
Mesmo assim, Renan se disse vitorioso e dobrou as apostas. Se dizia imbatível no voto secreto com tanta convicção que até seus adversários acreditaram. Na sexta-feira, eles conseguiram aprovar o voto aberto, por 50 votos a 2, em uma sessão tumultuada. Na madrugada de sábado, o ministro Dias Toffoli passou uma borracha nessa decisão e reabriu o caminho para a suposta vitória de Renan. Era hora de comprovar o tal favoritismo.
Depois de muita polêmica, usaram cédulas de papel. Na medida em que transcorria a votação, pareceu destoar um certo desassossego nas hostes de Renan. A tensão ali não era de quem se sentia vitorioso. Aí surgiu um estranho voto a mais nas cédulas depositadas nas urnas. Alguns defendiam que se contassem os votos, e ,se o tal voto a mais influísse no resultado, se fizesse nova eleição. Outros foram favoráveis a anulação sem que os votos fossem revelados.
Se os prognósticos estivessem corretos, Renan teria vencido essa eleição. Mas o senador Eduardo Braga, líder do MDB, seu porta-voz nas contendas, foi enfático na defesa da anulação. Desde aí ficou evidente que alguma coisa havia dado errado para a turma de Renan. Começou a segunda votação, Flávio Bolsonaro, como outros senadores, exibiu seu voto em Davi Alcolumbre. Renan, então, renunciou a candidatura.
Em entrevista, ele explicou que o PSDB, em que teria 4 votos, e Flávio Bolsonaro foram obrigados a mostrar seus votos modificando o resultado da primeira votação anulada. Por essa versão, ele teria vencido na primeira eleição, a que foi anulada por pressão de sua turma. Outra lorota.
O fracasso não baixo o facho do entorno de Renan. Pela nova versão deles, Renan será o comandante da oposição a Bolsonaro, o que vai complicar a vida do governo no Senado. Mais uma lorota. Renan se reelegeu em segundo lugar graças à popularidade do governador Renan Filho, cujo estado não se mantém em pé sem ajuda federal. Renan, também, está sendo cobrado por correligionários por ter levado o MDB a seu maior fracasso político no Senado. Quem lhe foi fiel como o PT, atuante em sua tropa de choque em plenário, e apostou em sua vitória se deu mal. Por esse erro de cálculo político, o PT ficou ainda mais irrelevante no Senado.
Renan virou tóxico para quem apostou em sua vitória. O ministro Dias Toffoli, por exemplo, desagradou a maioria do Senado e parte dos ministros do STF ao jogar uma boia de salvação para Renan. De nada adiantou, e ele acabou se afogando. Toffoli começa a semana menor do era até sexta-feira. Vai ter que baixar a bola
Quem está em alta são os alvos de Renan. O principal é o ministro Sérgio Moro, contra quem Renan esperava se proteger e vender proteção para os colegas. Renan estava tão seguro nesse papel que estendeu seu guarda-chuva para Flávio Bolsonaro, seu desafeto declarado antes de se enredar no Caso Queiroz. Ele contava com o voto de Flávio por baixo do pano. Tinha como certo também o voto de José Serra e de outros três tucanos. A senadora Mara Gabrilli desmentiu que estivesse nessa barca. Outros ainda devem explicações.
O fiasco de Renan apressou a chegada ao poder no Senado de uma nova geração. Davi Alcolumbre e Simone Tebet, por exemplo, são quarentões, bem mais jovens que a turma que há décadas manda e desmanda no Senado. Na Câmara também já houve uma passagem de bastão entre gerações — Rodrigo Maia também é quarentão.
Isso, por si só, não significa sucesso. Eles se dizem comprometidos com reformas, como a da Previdência, para destravar o crescimento do País. Afirmam também que vão facilitar a tramitação no Senado das propostas de Sérgio Moro para endurecer o combate à corrupção e ao crime organizado. A queda de Renan, principal desafeto de Moro, abre caminho para essas mudanças.
Isso, sim, pode ser uma avanço contra a impunidade de cardeais da política, inclusive do próprio Renan Calheiros.
A conferir.