A mudança no jogo político em Brasília, com o Centrão mostrando um tamanho muito maior que a si próprio, expõe uma ampla aliança que há anos acumula forças para conter os avanços dos órgãos de controle — Ministério Público, Polícia Federal, Coaf, Receita Federal, entre outros — no combate à endêmica corrupção no país.
Nos palanques, o discurso vitorioso nas eleições gerais de 2018 foi o do fortalecimento do combate à corrupção. Jair Bolsonaro e seus discípulos país afora cometeram um estelionato eleitoral maior que o de Dilma Rousseff, ao vender pela varinha mágica do marqueteiro João Santana como pujante uma economia quebrada, e até a picaretagem barata de Fernando Collor ao se apresentar como caçador de marajás.
Antes mesmo de assumir a Presidência da República, Jair Bolsonaro e seu clã souberam que a própria casa estava caindo. O esquema das rachadinhas que alimentou finanças de familiares e amigos havia sido descoberto. Em menos de três meses no poder, Bolsonaro já buscava alternativas a suas escolhas, como Sérgio Moro e o delegado Maurício Valeixo, e alguma forma de enquadrar o Coaf. A partir daí foram sucessivas, aproximações nem sempre bem sucedidas com adversários, para criar uma rede de proteção para si e sua família.
Os desdobramentos são públicos e notórios. Seu desespero seguia o mesmo ritmo do avanço das investigações contra o senador Flávio Bolsonaro, o 001, e o faz tudo da família Fabrício Queiroz. Livrou-se de Moro e Valeixo, atropelou a autonomia da Polícia Federal, escolheu um procurador-geral da República para chamar de seu, tentou enquadrar o COAF e a Receita Federal. Por mais que assim avançasse, era um jogo de perde e ganha, o Supremo Tribunal Federal, mesmo tendo aliados lá, virou uma pedra nesse caminho.
Foi aí que Bolsonaro reencontrou sua alma gêmea, o Centrão, que havia chutado na campanha eleitoral em que se vendeu como paladino contra a corrupção. O Centrão foi uma escolha tão produtiva desde o primeiro momento — seu apoio foi uma garantia de que nenhum impeachment seguiria em frente e no Senado manteve em um escaninho do Conselho as denúncias contra Flávio Bolsonaro. Mas até aí um bom resultado para se defender. Quer virar o jogo.
O Centrão se preparou para isso. Como sempre foi governista, tem trânsito fácil com o PT, o PSB, o PSDB, o DEM em todo o espectro partidário. No Senado o PT embarcou oficialmente no apoio à candidatura do senador Rodrigo Pacheco, numa parceria indireta com Bolsonaro, com a justificação oficial de que assim asseguraria mais espaço nos poderes internos. Teria pelo menos os mesmos espaços se tivesse se aliado a senadora Simone Tebet. A diferença é que ela é defensora da Lava Jato e de outras investigações sobre corrupção política. Já Rodrigo Pacheco, advogado de réus no Mensalão, é um crítico da Lava Jato. E isso fez toda a diferença.
Na Câmara, PT, PSDB, PSB e outros apoiaram formalmente Baleia Rossi, mas parte de seus votos ajudou a expressiva vitória de Arthur Lira. Na última hora, o DEM pulou fora do barco. Todos por vários motivos. Um deles é de que Lira, alvo da Lava Jato, mostra mais disposição para mudar leis e conter todos os órgãos de investigação, inclusive o Judiciário. Parece não ser mera coincidência, sua eleição coincidir com o anúncio da Procuradoria-Geral da República do fim da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, às vésperas de completar sete anos com um invejável cartel de ter conseguido a prisão de 170 condenados a prisão — inclusive a do ex-presidente Lula e do ex-deputado Eduardo Cunha, mentor de Arthur Lira.
Nos acertos de bastidores, a turma de Lira derrotou o candidato oficial do PT e elegeu a dissidente Marília Arraes para a Segunda Secretaria da Câmara. Faz parte do pacote eleger a deputada Bia Kicis (PSL-DF), uma inflamada bolsonarista, investigada em dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal pelo apoio a atos antidemocráticas e divulgação de fake news, para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a mais relevante.
Em entrevista ao Estadão, perguntada se daria prioridade na CCJ a pauta de costumes, ela respondeu que sim e emendou puxando a linha de outro novelo. “Eu sou contra o ativismo do STF. Falei com o deputado Sóstenes Cavalcanti sobre uma proposta dele para combater a usurpação de poder do Legislativo, para podermos usar medidas de freio e contrapeso e não permitir que o ativismo judicial avance sobre nossas pautas”.
Na sequência do fio desse novelo está, também, a redução da idade de aposentadoria de ministros do STF de 75 para 70 anos de idade, o que abriria pelo menos mais uma vaga no Tribunal, além da que será aberta em julho pelo ministro Marco Aurélio Mello. O plano é controlar tudo em uma aliança entre autoritários e acusados de corrupção. Eles estão em plena ofensiva. Vão conseguir?
A conferir.