Um erro de avaliação de quem se acha muito esperto desidratou o Centrão. O apetite de sempre por cargos e verbas inflacionou o cardápio de serviços ofertado pelo deputado Arthur Lira, líder do PP, e seus parceiros como Valdemar Costa Neto, dono do PL, ao Palácio do Planalto. Cobrou pelo valor de face um pacote de benefícios que a sua turma não tinha como entregar.
O presidente Jair Bolsonaro, que foi às compras no parlamento com medo de um impeachment, chegou a acreditar que havia adquirido algo mais, como dar as cartas nas decisões da Câmara e do Senado. Quebrou a cara no primeiro teste: a votação do novo Fundeb na Câmara dos Deputados. O blefe de Arthur Lira desmoronou diante da reação de Rodrigo Maia de pagar para ver.
Mas custo ainda mais do que o recuo do governo naquela votação. Rodrigo Maia passou ao revide. Nessa segunda-feira, em uma só cartada, desidratou em 63 votos ( soma das bancadas do DEM e do MDB, agora sob o comando do deputado Baleia Rossi) a bancada do Centrão que, nesse primeiro movimento, despencou de 221 deputados para 158. Abriu também a porteira para outras siglas insatisfeitas de negociar com o governo sob o patrocínio de Arthur Lira. Por exemplo: Roberto Jefferson, que ressuscitou nas redes sociais como ídolo dos mais fanáticos bolsonaristas, agora tem trânsito próprio para negociar seus 12 votos na Câmara com o Planalto. E até para atrair outros pequenos partidos satélites do Centrão.
A perspectiva é de que todos inflacionem seus preços. Para não encolher ainda mais, o Centrão vai ter que arrancar mais nacos de poder e verbas do governo federal. Em abril, escrevi aqui que, em seu DNA, o Centrão é um predador, sempre de olho em vantagens presentes e futuras, que se tornou um especialista na venda do chamado ouro dos tolos — uma pirita dourada, composta por dissulfeto de ferro, que tem aparência de ouro, mas não o seu valor. Disse também que Bolsonaro poderia se decepcionar com o negócio com essa turma que cobra à vista mas não costuma entregar a encomenda combinada. Desde o fiasco da candidatura presidencial de Paulo Maluf até o calote que deram no processo de impeachment de Dilma Rousseff.
O projeto político de Arthur Lira é resgatar a trajetória que levou seu mestre Eduardo Cunha à Presidência da Câmara. Seus colegas sabem disso. Sabem também que há tempos ele tem uma penca de rolos na Justiça. Há pouco mais de um mês, ele foi de novo denunciado ao STF pela Procuradoria-Geral da República por corrupção passiva, agora pela acusação de ter recebido uma propina de R$1,6 milhão da empreiteira Queiroz Galvão. Semana passada, o Ministério Público Federal em Alagoas abriu mais uma investigação criminal contra Lira. Desta vez para apurar a denúncia da sua ex-mulher, Julliene Cristine Lins Rocha, de que ele esconde um patrimônio dez vezes maior do que o que declara à Receita Federal. Nada disso, porém, é demérito para boa parte do Centrão também alvo de denúncias de corrupção.
Há algum tempo o governo deixou de posar como vestal nesse mundo de corrupção política, uma de suas principais bandeiras na campanha eleitoral. A saída de Sérgio Moro, atirando contra o presidente Bolsonaro, do Ministério da Justiça e Segurança Pública foi a pá de cal. O problema é se comprar, pagar e não receber por serviços do Centrão. Pior: se embarcar em alguma aventura na sucessão de Rodrigo Maia na Presidência da Câmara que fracasse. O preço pode ser bem mais amargo.
A conferir.