A catarse no Senado para cassar Dilma

Dilma Rousseff. Foto Orlando Brito

O Brasil é singular pelo resultado de misturas genéticas, sociais, culturais, ambientais. Mas, por qualquer métrica, a qualidade de nossa democracia costuma ser avaliada por suas raízes na Grécia e em Roma antigas. E também, por onde melhor evoluiu o que ali foi plantado, em seus sucedâneos ocidentais.

Na maioria dessas referências, o Senado é, ao mesmo tempo, instituição e palco memoráveis. Desde o Império aqui também. Inspirado no presidencialismo americano, em nossa República o Senado ganhou poderes que nem sempre soube administrar.

Por uma interpretação recente do Supremo Tribunal Federal, o Senado passou a bater corner e a cabecear, senhor absoluto do processo de impeachment de presidentes da República.

Poder que pela Constituição representa o povo, a Câmara dos Deputados se tornou mero carimbador do pedido de abertura do processo.

Depois desse rebaixamento, punido justa ou injustamente, por ter a cara de Eduardo Cunha no impeachment da presidente da República, a Câmara virou quase um nada. O Senado se atribuiu o papel de resgatar um mínimo de dignidade do Legislativo. Espetáculo único.

Se na votação da admissibilidade meramente simbólica do processo de impeachment, a Câmara espantou o país com sua cara provinciana, o Senado se apresentou como uma instância pelo menos com mais pose. Palco de embates mais elevados.

Ao entrar em cena, no entanto, o Senado virou um mero reality show em que os protagonistas simplesmente perderam as estribeiras. Quem poderia imaginar uma cena em que Renan Calheiros, um craque na administração de conflitos, saísse da Mesa, fosse falar em um microfone em plenário, supostamente para apaziguar, e acendesse o fogo.

Antes, senadores se acusaram de serem larápios de cofres públicos ou drogados. Pelo que até aqui apurou a Operação Lava Jato, no Senado ficou difícil alguém apontar o dedo para outrem sem correr o risco do dedo do acusado se voltar para si. Depois dessa catarse, o Senado tenta se reencontrar.

Não há ensaio que substitua a vida, a história. Por mais que tenham se preparado aliados e adversários, o desempenho daqui a pouco da presidente afastada Dilma Rousseff é uma incógnita. Helena Chagas fez ontem aqui uma indagação pertinente: Quem tem medo de Dilma Rousseff? A resposta é incômoda para parceiros, aliados que a abandonaram e até para adversários. O mínimo que se espera de quem usufruiu o poder durante tantos anos é que tenha boas informações sobre adversários, e excelentes sobre aliados de todos os tempos.

O filme em que Dilma se vê protagonista talvez seja uma decepção para suas próprias ilusões. Por qualquer ângulo que se olhe, na perspectiva de petistas ou adversários, o segundo mandato de Dilma foi um fiasco inédito na história republicana.

Mesmo assim, ela chega hoje ao Senado com bala na agulha. Não para mudar seu destino. Mas para influir em seu último capítulo como presidente da República.

Pouco se espera de Dilma. Pelo script, ela vai lá se mostrar vítima da turma que escolheu para chegar onde chegou. O papel que desempenha na narrativa aqui e lá fora.  Ou causa uma surpresa espetacular ou morre com o mais do mesmo. Vamos à real.

O maior motivo da queda de Dilma foi seguir ao pé da letra as mentiras escritas pela equipe de João Santana. Ela se beneficiou, ganhou duas eleições. A primeira passou batida. A segunda foi questionada. Mesmo assim foi vitoriosa. Aí virou problema.

Quem acreditou, e se desiludiu, fez a diferença nas batalhas travadas em nossas ruas. É aí que está a resposta sobre o porque de o país querer Dilma fora do poder.

Em uma rara confluência de intenções, circunstâncias e verdades, as ruas deram um basta, os empresários um chega para lá, e um semancol nos políticos. Acabou? Ainda não. Como diz Bob Dylan, a última resposta é do vento.

Por mais que ninguém acredite, Dilma Rousseff encara seu último espelho histórico. Cabe a ela continuar a encenar o enredo de João Santana ou virar protagonista na História do Brasil.

 

 

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