Nem tudo que reluz é ouro. Descobri na internet que o autor dessa expressão, provérbio consagrado mundo afora, é Shakespeare no monólogo do príncipe de Marrocos, no segundo ato do clássico O Mercador de Veneza.
Na cultura ocidental, Shakespeare talvez seja o melhor tradutor da natureza humana, de seus momentos sublimes às mais sórdidas perversidades.
Talvez nem se impressionasse com a política brasileira. Aqui, a farsa engoliu a tragédia. Perdeu todo e qualquer pudor. Os poderosos investigados por corrupção, em escândalos que assombraram o país, se dizem indignados e denunciam os investigadores como criminosos.
Lula, Temer, Aécio, Cabral, Collor, Renan, Jucá, Eduardo Cunha e outros batem nessa tecla.
Até aí seria o chororô de quem caiu na rede da Operação Lava Jato.
O mais grave é o impacto disso em partidos políticos que, de alguma forma, são relevantes na história do país. É impressionante a pouca importância que dão à perda da própria identidade.
Quem acompanhou nessa quarta-feira (4) a longa sessão em que a Câmara finalmente aprovou a criação de um Fundo Eleitoral com dinheiro público viu um bom retrato disso.
Estava em discussão mais uma magia de Romero Jucá, o cara que sempre tirou da cartola, nas gestões tucanas e petistas, fórmulas capazes de tirar os governos de enrascadas.
Pelo que apurou a Lava Jato, ele teve o mesmo talento para alavancar — na condição de relator-geral no Congresso dos mais relevantes projetos e medidas provisórias com impacto nas economia — os lucros das grandes empresas com negócios no Brasil.
Por esse notável desempenho, Jucá responde a uma penca de inquéritos.
Esse seu dom de ubiquidade se fez presente também na reforma política. Quando os impasses pareciam deixar na chuva quem sentia a abstinência de grana na campanha eleitoral do ano que vem, Jucá se apresentou com uma solução.
Pôs na roda o Fundão Eleitoral, com um mosaico de arrecadações, que foi aprovado a toque de caixa pelo Senado. Como quem parte e reparte, ele reservou pra sua turma a melhor parte.
A Câmara fez muxoxo. Mas era pegar ou largar. Michel Temer se tornou o fiador. Por meio de vetos, ele se comprometeu a resolver a questão. Assim, bancará um rateio mais ao agrado de sua base parlamentar na Câmara, de quem depende para continuar no cargo.
PMDB, PSDB, DEM e os partidos de direita e centro-direita em geral ficaram satisfeitos. Não tinham mais o que discutir, só votar. Se acomodaram no camarote e assistiram a um espetáculo inédito.
A briga ficou restrita às ditas esquerdas.
Um dos motes foi o fato de Jucá ter metido a faca nas emendas de bancada, as mais relevantes dos parlamentares para bancar investimentos em Infraestrutura, Saúde e Educação nos Estados, temas altamente sensíveis a quem é ou finge ser de esquerda.
O que se assistiu foi uma aliança entre a Rede, o P-Sol, o PPS, o PSB e o PV, contrários à fórmula Jucá, fustigar PT, PC do B e PDT, que se contorciam na defesa da proposta do tal fundo público como a única alternativa que sobrou para o financiamento da campanha eleitoral.
Quem mais se rebolou diante das cobranças foi o PT. O mote do partido é de que o dinheiro público será uma maneira de limpar a sujeira do financiamento empresarial, no oficial ou no Caixa 2, em eleições passadas. Seus oradores repetiam isso como se fosse um pecado alheio.
Pelo que a Lava Jato apurou, quem mais se lambuzou nesse dinheiro sujo foi justamente o PT.
Como o PT, depois de todas as lambanças, perdeu a hegemonia nas esquerdas, esses confrontos podem ser uma prévia do que vai rolar em 2018.
A conferir.