Por mais besteira que fale, tudo que sai da boca de um presidente da República vira notícia. Faz parte do arsenal de bônus e ônus do poder. Assim, motivam aplausos e apupos. Às vezes, até se tornam folclóricos. Na categoria dos ruins, são os que menos estragos causam.
Pelo senso comum, inclusive entre analistas políticos de todos os naipes, o governante sempre busca algum tipo de empatia com os governados. Por mais que a prioridade seja atender alguns públicos cativos, responsáveis maiores pelo sucesso eleitoral, atropelar outros parceiros que também ajudaram a chegar lá não parece razoável. Ainda mais para quem flerta com a reeleição.
O festival de asneiras que o presidente Bolsonaro vem produzindo aos borbotões parece, mas não é, um ponto fora da curva. Sua prioridade, em sucessivos mandatos parlamentares, sempre foi a política da caserna.Tornou-se um sindicalista das reivindicações militares, sempre hostil na defesa desse terreiro.
Quem se assusta com as barbaridades de agora, como a invenção de um justiçamento de Fernando Santa Cruz, um “desaparecido” assassinado nos porões da ditadura, pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, pode até achar que é apenas mais uma briga maluca e extemporânea de Bolsonaro.
No mundinho dele, é mais do que isso. Quando Olavo de Carvalho, guru do clã dos Bolsonaros, sentindo-se fortalecido nos embates contra os generais palacianos, partiu para o ataque contra os generais Augusto Heleno e Villas Boas, a caserna reagiu. Talvez a voz que mais incomodou Bolsonaro foi a do general Eduardo Rocha Paiva, uma referência entre os colegas por ter peitado a Comissão da Verdade, e assinado um dos prefácios do livro “A Verdade Sufocada”, a versão dos torturadores escrita pelo coronel Brilhante Ustra.
Na gestão Bolsonaro, o general Rocha Paiva passou a integrar a Comissão da Anistia do governo federal. Foi escalado para passar um pente fino na suposta farra para beneficiar supostos perseguidos políticos. Rocha Paiva chegou lá como um queridinho dos Bolsonaros. Tudo mudou, no começo de julho, com sua reação ao apoio de Carlos Bolsonaro, o 02, aos ataques de Olavo Carvalho aos generais Heleno e Villas Boas. “Pau-mandado de Olavo. Se o pai chama os estudantes vermelhinhos de idiotas úteis, e eu concordo, para mim, o filhinho dele é um `idiota inútil`ou útil para os esquerdistas”, escreveu Rocha Paiva em um grupo de WhatsApp.
Isso ficou entalado na garganta de Bolsonaro. Rocha Paiva soube disso. Semanas depois, quando vazou aquele comentário bobo sobre governadores “paraíba”. Rocha Paiva, em entrevista ao Estadão, classificou a baboseira de “impatriótica”. Bolsonaro, então. perdeu as estribeiras. Chamou o general de melancia, verde por fora e vermelho por dentro, alguém que faz “deferência à Guerrilha do Araguaia, em pleno século XXI”, uma penca de bobagens.
Quem acompanhou os desdobramentos dessa controvérsia avalia que os apoios a Rocha Paiva de generais linha dura, como Sérgio Etchegoyen e Paulo Chagas, entre outros, incomodaram Bolsonaro. Até então, ele nadava de braçada nesse mar escuro. Pode parecer pouco para quem tem horizontes maiores. Mas são poucos os assuntos em que Bolsonaro se sente à vontade.
Daí a dificuldade para separar ignorância de ideologia.
Me dizem que é simples assim.
A conferir.