Pelo pouco que se sabe, as mordomias chegaram ao Brasil em 1500 nas caravelas de Pedro Álvares Cabral, fincaram algumas raízes registradas pela pena do escrivão da frota Pero Alves de Caminha, e seguiram em frente aos trancos e barrancos. Com a chegada da comitiva real de João VI em 1808, fugindo das tropas de Napoleão Bonaparte, ganhou ares institucionais no Rio de Janeiro, menos profundos mais tão longínquos quanto a escravidão de negros e seus desdobramentos ao longo dos séculos.
Em todos os tempos, nos mais variados regimes de governo, a mordomia sempre foi uma praga bem sucedida. Durante milênios, mundo afora, foi considerada direito divino das realezas então no poder. Nas democracias modernas, passaram a ser controladas por órgãos e instrumentos de fiscalização para justamente evitar os abusos de sempre.
Na Constituinte de 1988, que deu uma ampla repaginada no estado brasileiro, criou-se um novo e mais democrático modelo institucional, tendo como base nossos fiascos e sucessos internacionais mundo afora. O que foi escrito na Constituição como um dos seus pilares é que, a partir da sua entrada em vigor, o ingresso nas mais relevantes carreiras públicas seria apenas por concurso público obedecendo critérios transparentes e auditáveis.
A Constituinte foi além: desatrelou o ministério público do organograma de outros poderes e lhe atribuiu a função impar de fiscalizador geral da sociedade, com a prerrogativa de meter o bedelho em todas e quaisquer encrencas. Como seria previsível, os promotores e procuradores logo trombaram com políticos de todas as esferas que roubam nos municípios, nos estados e na União. Foram ainda mais ousados: em nome dos direitos difusos, passaram a comprar as brigas de índios, posseiros, quilombolas e os povos ribeirinhos que se opõem ao avanço de grileiros, mineradores, madeireiros e traficantes de ouro e de drogas.
Policiais federais, fiscais do Ibama e da Funai, auditores da Receita Federal, entre outros servidores de carreira, também entraram em campo. Pareciam que estavam vencendo o jogo, pelo menos empatando, mas Bolsonaro e sua trupe começaram a fazer seguidos gols contra.
Esse introito é um pano de fundo do descompasso nacional. É o jogo do ganha ganha dos espertos, dane-se o país e seu povo, só lembrado de vez em quando como massa eleitoral. O que rola na Amazônia, em meio a algumas boas experiências aqui e acolá, virou merecido escândalo internacional. O estrago da chuvarada na Bahia e em outros estados, inclusive em áreas frequentadas pelas elites do Sudeste, soou apenas como um incomodo para a comitiva de Bolsonaro curtindo férias em praias e mares paradisíacos de Santa Catarina, depois de festejos natalinos no litoral paulista.
Se essa chuvarada descer, como preveem os institutos meteorológicos, e seguir causando estragos pelo Sudeste, Bolsonaro vai manter suas férias catarinenses? Como indicam a geografia e a política, o buraco aí é mais embaixo.
A questão é avaliar até que ponto as delícias das mordomias no poder compensam o desgaste do descaso com o sofrimento popular. Na pandemia, mesmo após centenas de milhares de mortos, e popularidade em queda livre, mal fez cosquinha.
A conferir.