Jair Bolsonaro aprendeu a transformar limão em limonada quando foi punido por indisciplina e quebra de hierarquia no Exército e se aproveitou disso para começar sua carreira política. Desde então, cumpre a pauta de sindicalista militar e faz de conta que é um político diferente, que não se envolve em grandes escândalos. Se orgulha de não aparecer em escândalos como o Mensalão. Nem foi preciso.
Financiou a construção de seu clã político, tijolinho por tijolinho, com uma prática generalizada em câmaras municipais, assembleias legislativas e Congresso Nacional, o tal do mensalinho, com desvio de parte dos salários dos funcionários, fantasmas ou não, pagos com dinheiro público. Com a ativa participação de Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz, fez da rachadinha um alicerce da ascensão econômica, política e social de toda a família e agregados.
Tudo isso é cristalino no que os inquéritos apuraram antes mesmo das gincanas judiciais que insistem em travá-los em todas as instâncias judiciais. Se foi suficiente para erguer um clã político no Rio de Janeiro, com um braço em São Paulo, os dois principais estados brasileiros, não dava consistência para um voo maior.
Com um projeto nas redes sociais em que se apresentou como um político diferente, sempre marginalizado pelos colegas, ganhou musculatura em vários segmentos, ressuscitou uma direita encolhida e ganhou apoio em seu suposto e vigoroso combate à corrupção política. Ganhou tração nos mega escândalos nos governos petistas. Virou um grande player nas eleições em 2018 ao receber uma inaceitável facada e obter um imensurável ganho eleitoral durante sua luta pela sobrevivência.
Chegou ao poder como quase todos os vitoriosos no país. Desde a redemocratização, nenhum presidente eleito (Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e o próprio Bolsonaro) pensou apenas em cumprir um bom mandato. Já assumiram planejando voos futuros. De uma maneira ou de outra, todos pagaram um preço por isso.
Emprenhado pelo filho Eduardo Bolsonaro, o 03, devoto das maluquices de Olavo de Carvalho, chegou a acreditar que com Donald Trump e alguns outros iluminados iriam impor o império de uma extrema direita obscurantista no mundo. Deu ruim. A Pandemia fechou o caixão. Trump perdeu as eleições americanas e Bolsonaro aqui afunda mais a cada aferição da opinião pública. Ele sabe que, se mantidas temperatura e pressão, corre sério risco de sequer chegar ao segundo turno eleitoral. Diante dessa constatação, resolveu abreviar o embate.
Partiu pra cima do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, com ameaças de todos tipos. Já havia cometido faltas para a cartão amarelo, força agora o vermelho com agressões aos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Morais – além dos chiliques diários com a CPI da Pandemia do Senado, que escancara os malfeitos no Ministério da Saúde.
O que Bolsonaro quer com isso? Uma saída para sua previsível eleitoral. Ele quer evitar a derrota. Se conseguir que o impeçam de competir, sai como vítima, mantém seus devotos organizados e, a exemplo de Trump, pode até arriscar um golpe com melhores chances de vitória.
O problema para Bolsonaro é que todos já entenderam seu jogo. A decisão da comissão especial da Câmara antecipou nessa quinta-feira (5) que o Congresso vai enterrar o quanto antes a ilógica proposta de retorno do fraudulento voto impresso. É fim de linha para esse absurdo e sua maluca linha de defesa, repleta de fake news.
Por sua vez, a cúpula do Judiciário, em sucessivas e bem articuladas manifestações, recusou a armadilha amadora de Bolsonaro com as decisões do TSE abrindo uma investigação preliminar do TSE sobre uma penca de crimes cometidos pelo presidente, a inclusão de Bolsonaro no inquérito do STF sobre fake news, e o cancelamento pelo presidente Luiz Fux da cúpula dos poderes. Foi além nessas decisões. Criou um antídoto, esse sim constitucional, contra aventuras golpistas de Bolsonaro.
A conferir sua eficácia.