Evidente que entre as eleições municipais e as gerais muita água passa sob a ponte. Às vezes seguem o curso, em outras interferências mudam seu rumo. Quando isso ocorre, geram a falsa impressão de que elas são completamente distintas. Isso ganhou ares de verdade com a zebra de Jair Bolsonaro em 2018, que surfou no vazio criado pela envolvimento em escândalos de corrupção do PT e do PSDB, as forças que tradicionalmente disputaram a Presidência da República nesses tempos democráticos.
Nas eleições municipais de 2016, o PT começou a pagar o pedágio por seus malfeitos, enquanto os tucanos surfavam. Meses depois, em maio de 2017, Aécio Neves, então cacique mor do PSDB, foi nacionalmente exposto em uma gravação em que pedia propina ao dono da Friboi. Ali, ele virou pó. Enterrou junto boa parte do tucanato. Foi nesse vácuo que Bolsonaro emergiu.
Trouxe junto aberrações como Wilson Witzel, governador destituído do Rio de Janeiro. Avaliou que podia imitar Donald Trump e governar o Brasil com suas próprias versões da realidade. Por mais absurdas, verdade e mentira passou a ser apenas uma questão de ótica. Tudo isso fez parte do cardápio eleitoral nos Estados Unidos e nas eleições municipais no Brasil. Foi mais uma onda que agora morre na praia.
Bolsonaro manteve o dedo torto no segundo turno. Seu apoio não ajudou ninguém, só atrapalhou. A rara exceção foi quando bateu de frente com Lula, como em São Gonçalo, segundo maior município do Rio de Janeiro, onde o PT era favorito e perdeu nas urnas. O PT se decepcionou com derrotas na Bahia, Pernambuco e Espírito Santo, e com apenas duas vitórias em cidades periféricas de São Paulo.
Se está claro quem perdeu, quem ganhou? Em tempos de pandemia, o eleitor pede segurança e cuidado com a saúde. Deu também um basta no que avaliou como extremismo. Venceu disparado nos números as diversas nuances do centro em todas suas variedades. Nos grotões, o Centrão manteve seu desempenho. Nas médias e grandes cidades, o centro tradicional — PSDB, DEM e MDB e seus aliados — deram um passeio.
Se não forem atropelados por algum terremoto, esse grupo de partidos, que já vem costurando uma aliança, sai na frente na corrida pelo Palácio do Planalto em 2022. É o centro tradicional que sempre foi competitivo. Seu adversário histórico foi o PT que, agarrado a Lula, segue em declínio. Mas há alternativas no cenário. Guilherme Boulos, por seu desempenho em São Paulo, em especial na juventude, pulou para a liderança nesse ranking nas esquerdas. Os apoios a sua candidatura no segundo turno em São Paulo podem ser um embrião de outra alternativa viável em 2022.
A ponta solta que sobra nessa equação é o vértice Bolsonaro. Ele sabe que para tentar a reeleição vai precisar de apoio político. Não bastam seus seguidores em redes sociais. O fracasso em suas apostas nessas eleições municipais dificulta o apoio em todos os quadrantes para quem a moeda é voto. Sai das eleições na berlinda de quem tem interesse e algum cacife para apostar nele.
A conferir.