Cardiologista, matemático, físico, Enéas Carneiro tornou-se um fenômeno eleitoral e político. Disputou três eleições presidenciais. Na segunda, em 1994, ficou em terceiro lugar, superando os até então campeões de voto Leonel Brizola e Orestes Quércia.
Com exíguo tempo na propaganda eleitoral, tinha apenas 15 segundos, ele chamou a atenção com o bordão “Meu nome é Enéias”, em altos brados. Assim, virou um fenômeno eleitoral.
Mas Enéias foi mais. Tinha um forte discurso nacionalista, expresso em entrevistas e no livro Um Grande Projeto Nacional, em que atacava o neoliberalismo, criticava as privatizações e pregava reserva de mercado na exploração de recursos minerais.
Um dos carros chefes de suas campanhas era tornar a exploração do nióbio – um metal de alto valor em que o Brasil tem as maiores reservas mundiais – uma alavanca para o desenvolvimento nacional.
Além do nacionalismo, Enéas, que também teve uma pequena, mas marcante em sua formação, carreira militar, também se apresentava como defensor de hábitos e costumes patriotas.
Depois que morreu, Enéas andou meio esquecido. Volta, agora, como referência para alguns pré-candidatos na sucessão presidencial. Para eles, mais relevante de que suas ideias é a encarnação de antipolítico que teria ficado no imaginário popular.
Nessa corrida por esse resgate, Jair Bolsonaro largou na frente. Discurso supostamente patriótico é com ele mesmo.
Como não tem ideias próprias sobre como tocar a economia, Bolsonaro se apegou a algumas generalidades e se agarrou ao nióbio. Passou a defender com ênfase sua exploração mesmo em terras indígenas. Mas fez uma ressalva: “Nós não podemos continuar permitindo uma exploração predatória do Nióbio”.
Até aí parecia haver alguma afinidade com Enéas.
Em entrevistas algo conflitantes, Bolsonaro deixou claro que é contra os chineses tomarem conta do nióbio e de outras riqueza nacionais, mas deixou aberta a possibilidade de uma parceria na exploração mineral com os Estados Unidos.
Essa mesma postura ambígua aparece quando fala sobre a privatização da Petrobras. Diz que não é contra, mas que ela deve ficar para o final da fila.
Em ambos os casos, bate de frente com o que defendeu Enéas, que considerava as privatizações, como a da Vale do Rio Doce e telecomunicações, “negociatas para transferir o patrimônio público para uma minoria privilegiada de representantes legítimos do sistema financeiro internacional”.
Quer dizer, Bolsonaro é um Enéas, digamos, paraguaio.
Mas tem outra faceta de Enéas que o aproxima de Bolsonaro, o tal discurso patriota, bem ao gosto de quem tem formação militar. Daí, ele escolher concorrer pelos Patriotas, novo nome do que um dia se chamou Partido Ecológico Nacional (PEN).
Bolsonaro entra na campanha com um bom desempenho nas pesquisas.
Quem nem sequer aparece nelas é Roberto Rey, cirurgião plástico nos Estados Unidos, que ganhou fama como o Doutor Hollywood, um reality show com algum público lá e aqui no Brasil.
Em caminho inverso ao de Bolsonaro, ele saiu do PEN com o propósito de ressuscitar o PRONA, o Partido de Reedificação da Ordem Nacional, criado por Enéas Carneiro, e se diz candidato ao Palácio do Planalto.
Mesmo sendo visto apenas como um factóide, meio folclórico, ele tenta surfar na onda de Donald Trump e João Doria, outros apresentadores de reality shows, que usaram essa fama de ocasião como trampolim eleitoral.
Em entrevista a Veja desta semana, Robert Rey detalhou algumas de suas bandeiras eleitorais, com baboseiras tipo “quando eu for presidente, o Hino Nacional vai tocar todas as manhãs e vamos todos nos levantar e colocar a mão direita no lado esquerdo do peito, como acontece nos Estados Unidos”.
Mas disse, também, que segue os passos de Enéas. Daí o empenho para ressuscitar o Prona.
Bem mais que Bolsonaro, no campo econômico, o presidenciável doutor Hollywood defende exatamente o contrário de Enéas. Por exemplo: “Sou contra estatismo de esquerda e de direita. Sou a favor do Free Market Society, o sistema americano de livre mercado”.
E foi adiante: “Quero baixar o imposto de tudo no país para atrair investimentos das companhias globais. Quando se baixam impostos, os estrangeiros entram no Brasil”.
Com as elites políticas e os partidos tradicionais mergulhados na lama, exposta pela Lava Jato, pode se abrir uma janela para uma mudança efetiva na política brasileira, hoje um negócio altamente lucrativo para políticos e empresários que bancam esse jogo.
Mas também pode ser uma oportunidade para que outros aventureiros, de todos os naipes, se sintam à vontade para participar dessa farra.
A conferir.