São biografias díspares. Lula e Bolsonaro construíram suas histórias em mundos muito diferentes. Lula se tornou o mais bem sucedido líder operário do país bem antes de chegar ao poder. Nessa caminhada, se tornou referência e esperança para grande parte dos brasileiros. Já chegou ao poder como mito e ali, com gestões bem sucedidas, conseguiu num primeiro momento até a benção popular para o pecado capital da roubalheira em seus governos.
Um dia a casa caiu. Os mesmos órgãos de investigação que aprenderam a atuar na gestão Fernando Collor, aperfeiçoaram a apuração nos anos FHC, e deram gás para a ascensão de Lula, flagraram seus malfeitos. Uma boa parte antecipada pela imprensa, em uma época em que o jornalismo foi mais respeitado. As apurações da Polícia Federal e do Ministério Público também tinham mais fé pública, pelo menos para os flagrados em escândalos.
Os principais adversários do PT viram um nicho para combater o mito Lula, mas sempre com o temor de seu consagrado poder de atribuir os próprios defeitos a outrem. Um persistente apoio de cerca de um terço do eleitorado a Lula foi o suficiente para que ele e sua turma se sentissem à vontade para peitar a imprensa, os investigadores e a própria Justiça. Foi quase pedindo desculpa ao mito que as várias instâncias da Justiça condenaram Lula por corrupção e lavagem o dinheiro, o que o levou a uma temporada de quarentena em uma cela na superintendência da Polícia Federal em Curitiba.
Se a Justiça cumpriu seu papel, o receio dos políticos tradicionais criou um vácuo. Há tempos, em um processo que passou praticamente a margem dos radares da imprensa, Jair Bolsonaro correu praticamente sozinho nessa raia. Aos poucos, encarnou o antipetismo país afora. Nas eleições em 2018, teve a sorte de concorrer por esse papel com o provinciano Geraldo Alckmin, um médico e político correto, mas que jamais conseguiu enxergar um palmo do país além das fronteiras de São Paulo. Os outros candidatos – Ciro Gomes, Marina Silva e, claro, o petista Fernando Haddad – pegaram leve, na esperança de em algum momento serem beneficiados com o apoio de Lula.
Foi nesse campo livre que Bolsonaro deitou e rolou. Pegou carona na Lava Jato, a mais eficiente operação contra a corrupção na história do país e, talvez, mundo afora. Venceu as eleições, conseguiu trazer o então juiz Sérgio Moro como principal trunfo para seu governo, mas essa lua de mel com a ética durou pouco. Bastou um escândalo típico do baixo clero no Congresso, nas assembleias legislativas e nas câmaras municipais em todo o país, as tais rachadinhas, para por o clã Bolsonaro a nu.
Bolsonaro já assumiu o governo na defensiva. Trombou logo com a tentativa de convencer Sérgio Moro a dar aval aos rolos de seus filhos. Moro é juiz por profissão e exercício a vida inteira. É metódico, disciplinado e treinado para cumprir suas funções. Evidente que logo descobriu que trocou uma longa e bem sucedida carreira de juiz por uma promessa mambembe de carta branca no combate à corrupção e ao crime organizado do presidente da República.
Desde então, resistiu às variadas investidas para mudar o rumo de investigações que, de alguma maneira, poderiam atingir o clã Bolsonaro. Ano passado, no auge dos ataques, fixou um limite do qual não se afastou — manter a autonomia no trabalho da Polícia Federal. Foi até o fim nessa linha. Justamente isso que sempre incomodou Bolsonaro e sua família. Na ótica deles, em seus confusos padrões éticos, uma falta de solidariedade.
Curioso é que nessa época de quarentena, repleta de reprises, acuado pelos fatos, Bolsonaro e seus seguidores reagem igual Lula e seus devotos quando foram atropelados pelos escândalos de corrupção. Viraram as duas faces da mesma moeda.
Cavando um novo patamar no buraco em que o PT se meteu, Lula atropela o partido com o discurso de que Bolsonaro é uma mera cria de Sérgio Moro. De um certo modo, pela segunda vez, joga uma boia para Bolsonaro. Pode ser cegueira de seu fígado. Mas, em trincheiras diferentes, bate bola com Roberto Jefferson, que se propõe com Bolsonaro ao mesmo papel que representou como chefe da tropa de choque de Fernando Collor.
A maior rebeldia de Lula, de seus advogados e crentes, depois de os investigadores conseguirem provas irrefutáveis, foi sempre contra a Justiça. Eles só aceitam decisões favoráveis. Rebelam-se contra a aplicação da lei, quando não é a favor deles, nas mais diversas instâncias judiciais. Lula conseguiu a proeza de superar Paulo Maluf e Luiz Estevão com a paciência da Justiça com seus infindáveis recursos. Trocou argumentos jurídicos pela equivocada opção política de pressionar juízes. A moda pegou. A turma de Bolsonaro, além da pregação para o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso, seguiu a trilha de Lula e também resolveu pressionar os juízes.
O maior medo até agora da cozinha de Bolsonaro, que o levou inclusive a pressionar abertamente Sérgio Moro e a Polícia Federal, são os inquéritos com a relatoria do ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal. É ali que o clã morre de medo de dançar. Daí a ofensiva para tentar desmoralizar o ministro do STF. A deputada Carla Zambelli, aquela que propôs a Moro abrir mão para uma PF servil a Bolsonaro em troca de uma vaga no STF, continua a fazer seu jogo sujo.
Nas redes sociais, Carla Zambelli jogou veneno para a militância bolsonarista. “Sobre o Alexandre de Moraes, me desculpa, mas às vezes acredito que a ligação dele com o PCC era verdadeira, porque ele está envolvido na causa de investigar pessoas que faziam o bem pelo Brasil”. Esse turma do “bem” é a mesma que nessa segunda-feira elevou a hashtag #fechado com Bolsonalro ao primeiro lugar nos tredings topics do Twitter no Brasil. O “l” a mais no nome do presidente entregou o erro dos robôs, justamente os que estão na mira do STF.
Carla Zambelli atirou contra o ministro Alexandre de Moraes. Mas corre risco é na investigação aberta pelo decano Celso de Mello para investigar as denúncias do ex-ministro Sérgio Moro contra a pressão de Bolsonaro e aliados pela suspeita troca do comando da Polícia Federal. Ela foi flagrada em indevidas oferta de vantagem. Também vai ser investigada.
Em sua saga para salvar o próprio clã, Bolsonaro continua pagando pra ver. Nomeou para diretor-geral da Polícia Federal o delegado Alexandre Ramagem, candidato de sua enrolada família, e o advogado-geral da União, André Mendonça, para substituir Sérgio Moro no Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O que se ouve no Supremo é que as investigações que ali atormentam Bolsonaro e sua família serão blindadas. A intervenção do presidente, com suas trocas no governo, não mudaria o curso das apurações.
A conferir.