O flerte com o Centrão não é mais que um pretexto. O medo da polícia nos frágeis calcanhares do clã Bolsonaro é a verdadeira causa desse desespero desvairado. O receio de investigações conduzidas pelo Supremo Tribunal Federal sobre fake news e financiamento a manifestações contra a democracia, e o sinal verde do Superior Tribunal de Justiça para as apurações sobre o envolvimento do primogênito Flávio Bolsonaro com rachadinhas e milícias acenderam as luzes de emergência no Palácio da Alvorada.
Como foi praxe em outros governos, desde que o país passou a enxergar o que estava embaixo do tapete, os poderosos de plantão se voltam contra os investigadores da Polícia Federal e do Ministério Público. Nessa quinta-feira (23), Jair Bolsonaro resolveu de novo demitir o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, o discreto e eficiente homem de confiança do ministro Sérgio Moro (publicada no Diário Oficial da União que circula nessa sexta-feira). Por qual motivo? Bolsonaro até agora não teve coragem de por a cara para justificar a necessidade dessa troca no comando da Polícia Federal.
É justamente isso que Sérgio Moro não topa engolir. Se fosse por antipatia, os santos não batem, Moro tem uma penca de alternativas com o apoio do próprio Valeixo. O delegado federal Fabiano Bordignon, atual diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), é uma delas. Mas, na ótica do clã Bolsonaro, seria trocar seis por meia dúzia. Eles querem proteção e apostam em alguns delegados que poderiam mudar os rumos das investigações na Polícia Federal.
O sonho de consumo da família é o delegado Anderson Torres, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Conheci Anderson Torres quando ele era chefe de gabinete do então deputado Fernando Francischini, também delegado federal. Fui ouvi-lo sobre a denúncia do Ministério Público de que ele, nos tempos da ativa na Federal, participou de tortura a um rapaz depois inocentado pelas investigações. Ele negou. A reportagem está nos arquivos da revista Época. Anos depois a Justiça absolveu o delegado por falta de provas.
Sérgio Moro já disse que não há a menor hipótese de trabalhar com Anderson Torres. Seu padrinho político, o governador Ibaneis Rocha, tenta aumentar o cacife do pupilo. Diz que ele é de sua total confiança e, em entrevista ao Estadão, blefou em uma aposta sem limite. Disse ainda que tinha dúvidas em liberar seu secretário para chefiar a Polícia Federal, porque por seu gabarito ele “é 100 vezes melhor que Moro” para comandar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública. “O presidente tem que exonerar essa turma. Tem que usar uma Montblanc, e não uma BIC. Nomeado cumpre ordem. Cadê o Moro? Ele sumiu, ficou escondido, esperando a crise para aparecer como herói”.
Soou como galhofa em áreas menos tacanhas do governo.
A carta que Bolsonaro realmente aposta é o delegado Alexandre Ramagem, atual diretor da Abin, que se aproximou da família quando chefiou a segurança do então candidato na campanha presidencial. Não se sabe os motivos, mas Ramagem na chefia da Polícia Federal poderia acalmar a família Bolsonaro.
Até ontem à noite, nas conversas com bombeiros e emissários palacianos, Sérgio Moro batia pé na exigência de que só permaneceria no governo com alguém da sua confiança no comando da Polícia Federal. Se atendido, não resolve o problema do clã Bolsonaro. Eles parecem acuados como o personagem do belo samba de Chico Buarque, Acorda Amor.
Eu tive um pesadelo agora
Sonhei que tinha gente lá fora
Batendo no portão, que aflição
Minha nossa santa criatura
Chame, chame, chame lá
Chame, chame o ladrão, chame o ladrão.