Diferente de outros ministros problemáticos como seus ex-colegas Abraham Weintraub, Ernesto Araújo e Eduardo Pazzuello, mesmo depois de trombar com os militares palacianos, Ricardo Salles exibiu uma surpreendente resiliência. Seu trunfo sempre foi contemplar madereiros, mineradores, grilheiros, entre outras categorias com forte atuação ilegal na Amazônia. É um agressivo nicho bolsonarista.
Só que, depois de inúmeras demonstrações de que o objetivo desse jogo era mesmo passar a boiada, uma parceria de investigadores federais do Brasil e dos Estados Unidos levantou a suspeita de que a porteira é bem mais ampla. Ricardo Salles e a sua turma escalada para o Ibama mudaram de patamar — de destruidores da natureza viraram também investigados por corrupção pelo envolvimento, por exemplo, no contrabando de madeiras nativas para o Exterior.
A sensação em alguns universos bolsonaristas é que isso poderia ter sido evitado com a inclusão de Ricardo Salles na leva que demitiu Ernesto Araújo e Pazzuello. O preço a ser pago agora é Bolsonaro entrar ainda mais na roda aqui e no mundo inteiro. O carimbo de corrupção é fácil de pegar e muito difícil de tirar. Ainda mais quando tem movimentações financeiras na berlinda.
Mas os estrategistas palacianos são imbatíveis em sua capacidade de dar tiros no próprio pé. Como o general Pazuello estava com medo de enfrentar a CPI, passou a ser instruído para, em vez de ficar na defensiva, partir para cima dos senadores que o questionassem com uma narrativa de que em sua missão no ministério da Saúde fez tudo certo. E não sofreu nenhuma interferência de Bolsonaro.
Foi um festival de mentiras tão escancarado, e desmascarado, que Pazuello volta nessa quinta-feira para o segundo tempo do seu depoimento tão desmoralizado que, mais do que se comprometer, tende a cada vez mais enrolar Bolsonaro nessa trágica história que já resultou na morte de mais 440 mil brasileiros. É um jogo de erros em sequência.
È uma turma que não é acostumada a questionamentos. As entrevistas coletivas de Pazuello nada tinham a ver com o modelo clássico de responder às perguntas de repórteres. Eram simulacros de pronunciamentos em que falava o que queria e saía de cena. O mestre deles, Jair Bolsonaro, só fala para seus apoiadores, de preferência no cercadinho do Palácio da Alvorada.
Na CPI, o jogo é completamente diferente. Lá, estão sendo confrontados com fatos, cascatas e as mais variadas versões que difundiram no passado e, quando mentem, são na lata tachados de mentirosos. Sequer reagem. São instruídos a mentirem, exibirem arrogância, mas não entrarem em confrontos que possam ser considerados abusivos com os senadores. Um bando de frouxos.
Quem está sendo cobrado nas redes sociais são os senadores que nem sempre replicam as mentiras. Pra quem acompanha avidamente na tv e nas redes sociais parece um demérito dos inquiridores não reagirem a toda e a qualquer inverdade proferida. Mas, mesmo de forma involuntária, isso de alguma forma estimula novas mentiras. Para o trabalho da CPI, o resultado é positivo.
Por exemplo, nessa quarta-feira, Pazuello se sentiu a vontade para mentir a torto e a direito sobre omissões na compra de vacinas, na crise de oxigênio em Manaus, no receituário de remédios ineficazes e sobre sua obediência cega às ordens de Bolsonaro. Todas suas mentiras foram mapeadas pelas grupos de checagem de fake news, assessorias parlamentares e imprensa. Tudo que foi constatado vai ser cobrado dele nessa quinta-feira. O que parecia esperteza pode dar muito errado.
A conferir.