Bastou uma boa notícia em meio a uma avalanche de dados negativos na pesquisa do Datafolha para novas bravatas de Jair Bolsonaro nesse religioso domingo de Ramos. A informação de que 59% dos brasileiros seriam contra a renúncia do presidente da República, 37% favoráveis, deu o gás necessário para mais uma cena no Palácio Alvorada de seu ciúme explícito do sucesso de alguns ministros, em especial da aplaudida atuação de Henrique Mandetta no combate à pandemia do novo coronavírus.
Pela manhã, enquanto tomava um café no Alvorada, Bolsonaro até parecia conformado com a disposição geral no Brasil e no mundo inteiro de adotar o isolamento social como a melhor opção para reduzir o estrago dessa catástrofe. Havia assinado a defesa apresentada pela Advocacia Geral da União ao STF de que, ao contrário da denúncia da Ordem dos Advogados do Brasil, vem cumprindo à risca as determinações da Organização Mundial da Saúde e o ministério da Saúde.
Depois do blefe na semana passada de que poderia atropelar a orientação do Ministério da Saúde e as ordens emanadas por governos estaduais e prefeituras e liberar o comércio Brasil afora, parecia ponderar os riscos. “Não vai fazer decreto. Ele tem consciência de que se fizer um decreto liberando o comércio o Congresso o derrubará”, justificou o amigo e ex-deputado federal Alberto Fraga, depois do cafezinho no Alvorada. Do lado de fora do palácio, apoiadores evangélicos oravam pelo presidente. Foi assim o dia inteiro.
No final da tarde, Jair Bolsonaro resolveu dar as caras. Saiu para encontrar seus apoiadores, mais uma vez descumpriu as regras de isolamento social, e extravasou a ciumeira com Mandetta e também com Sérgio Moro (aliado do ministro da Saúde) que o vem cada vez mais consumindo. Não dá nem para descartar Paulo Guedes, com seu forte protagonismo. E disparou de maneira indiscriminada contra a sua própria equipe:
— Algumas pessoas no meu governo, algo subiu a cabeça deles. Estão se achando. Eram pessoas normais, mas de repente viraram estrelas. Falam pelos cotovelos. Tem provocações. Mas a hora deles não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles. A minha caneta funciona. Não tenho medo de usar a caneta nem pavor. E ela vai ser usada para o bem do Brasil, não é para o meu bem. Nada pessoal meu. A gente vai vencer essa.
Vamos e convenhamos, qual a coragem de um presidente da República que atira de forma tão covarde contra o comandante de suas tropas na guerra mais importante para o país e o mundo inteiro neste século?.
Que valentia é essa que ergue a voz, faz insinuações e ameaças a seus subordinados, mas se diz impotente por temer as reações de outros poderes? Pior. Prega a desobediência civil às recomendações médicas consensuais em todo o planeta no combate dessa mal conhecida pandemia. O que é preciso para um presidente da República parar de sabotar seu próprio governo?
Se era uma Ordem, Unida não há mais. Jair Bolsonaro costuma venerar o conhecimento militar. Pois bem. Como revelou o repórter Rubens Valente, o Centro de Estudos Estratégicos do Exército brasileiro apresentou um amplo estudo sobre estratégias de transição para a normalidade, baseado nas orientações do Ministério da Saúde e da OMS, que defende uma saída sem atropelos e riscos desnecessários. Ou seja, o país quer voltar a normalidade, mas sem improviso e apostas levianas. Só Bolsonaro e sua trupe ainda não entenderam isso.
Como ele adora repetir, continua com a caneta cheia de tinta. Tem mandado constitucional para usá-la. O problema é que seu eventual mau uso também custa caro. É esse medo que até agora segurou a mão de Bolsonaro. A pandemia parece estar chegando ao auge no Brasil. A crise política ainda não.
A conferir.