Faltam 11 dias para o término da conturbada gestão de Dias Toffoli no comando do STF e do Conselho Nacional de Justiça. Até passar o bastão para o colega Luiz Fux, no dia 10 de setembro, ele ainda pode fazer novos estragos. Nesse domingo, a Folha de S Paulo descobriu uma canetada de Toffoli na última sexta-feira, em que, na condição de presidente do CNJ, autorizou cerca de 16 mil juízes federais e do Trabalho a venderem para a União 20 dos 60 dias que têm de descanso anual. Se todos aproveitarem a nova regalia, a conta para os cofres públicos só neste ano será de cerca de R$ 164 milhões.
Isso justamente em um ano em que o país está quebrado em decorrência da pandemia do novo coronavírus. Mas a justificativa para a decisão é que está sobrando dinheiro no Orçamento da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho, além de uma economia que teria sido causada com o home office dos juízes nos últimos meses. O presidente da Associação dos Juízes federais, Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, defende a canetada de Toffoli poque, além de outras carreiras na Justiça terem direito a vender parte de suas férias, “a iniciativa privada também pode”.
— A gente, para ter direitos iguais aos trabalhadores comuns, que todos têm, tem muita dificuldade. É um pleito que a gente tem até na questão da remuneração mesmo — acrescenta Eduardo Brandão, na entrevista ao repórter William Castanho, da Folha.
A exemplo de Toffoli, o presidente da Ajufe parece que vive em outro planeta. Os trabalhadores comuns, quando estão empregados com carteira assinada, têm direito a vender 10 dos seus 30 dias de férias, enquanto os juízes podem descansar por 60 dias. Isso em circunstâncias normais. Faz tempo que o desemprego no país ultrapassou os 10 milhões. Outros milhões ficaram desempegados durante a pandemia e estão vivendo provisoriamente de um auxílio emergencial que custa aos contribuintes dezenas de bilhões de reais por mês. Se está sobrando dinheiro no Orçamento da Justiça, a melhor opção seria devolve-lo ao Erário.
Quem pôs o dedo nessa ferida foi a ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho: “A garantia de conversão de 20 dias de férias em dinheiro revela a desnecessidade de descanso por 60 dias. Ademais, há outras prioridades para alocação do dinheiro público”.
Em outra recente canetada, Dias Toffoli alegou “foro íntimo” para largar a relatoria do processo contra o ex-deputado federal e prefeito de Duque de Caxias (RJ), Washington Reis, condenado por unanimidade pela Segunda Turma do STF, em 2016, a sete anos e dois meses em regime semiaberto por crime ambiental. Segundo revelou Lauro Jardim, depois de anos com o processo parado, Toffoli pediu a Luiz Fux que o encaminhe à Segunda Turma para a escolha de novo relator.
Washington Reis foi considerado culpado pela construção de um loteamento em Xerém, na Baixada Fluminense, no entorno de uma reserva ambiental, onde promoveu corte de vegetação em encostas e área de preservação permanente e terraplanagem em beira de um rio, desviando o curso da água.
Como não foi punido, assumiu livre, leve e solto a Prefeitura de Duque de Caxias, e neste ano se recusou a cumprir ordem judicial para tomar medidas de isolamento social na cidade, no auge da epidemia de covid-19. Ele foi multado por resolver manter tudo funcionando no município. Só caiu na real quando ele próprio foi vítima do coronavírus e ficou 13 dias internado, em um hospital particular no Rio de Janeiro, onde precisou de oxigênio na UTI.
Em sua gestão no comando do STF, Toffoli várias vezes meteu os pés pelas mãos, especialmente nos períodos de férias da Justiça. Em julho, ele se intrometeu numa disputa interna no Ministério Público e, em mais uma canetada genérica, autorizou o procurador-geral da República, Augusto Aras, a devassar os bancos de dados de todas as forças tarefas da Lava Jato. O suposto pretexto estaria em Curitiba, mas a decisão foi extensiva a todas as investigações no Rio de Janeiro e em São Paulo. Após o recesso do Judiciário, o ministro Edson Fachin, revogou com efeito retroativo essa canetada indevida de Toffoli.
Na sexta-feira (28), enquanto Dias Toffoli decidia conceder mais regalias nas férias dos juízes, seu colega Alexandre de Moraes revogava outra de suas barbeiragens durante o recesso da Justiça. Em mais uma canetada sem pé nem cabeça, Toffoli simplesmente anulou todo o trabalho da comissão da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro para o julgamento do impeachment do governador Wilson Witzel. Moraes cassou a liminar de Toffoli e manteve o rito do processo de impeachment, aprovado por unanimidade pelos deputados estaduais de todos os partidos no plenário da Assembleia.
Em outro recesso da Justiça, em julho do ano passado, Toffolli simplesmente suspendeu centenas e centenas, há cálculos de milhares, de investigações sobre todos os tipos de crimes baseadas em relatórios do COAF. Fez isso para atender a um pedido do advogado Frederick Wassef, então responsável pela defesa de Flávio Bolsonaro, para suspender as apurações sobre as rachadinhas operadas pelo faz tudo Fabrício Queiroz. Foi uma canetada que chocou seus próprios colegas, mas agradou ao presidente Jair Bolsonaro. Meses depois, ele protagonizou um vexame ao aderir no final do julgamento a quase unanimidade do plenário e também votar contra a sua própria liminar. Sem sequer se desculpar pelo atraso que causou em inúmeras investigações.
O problema é que, nos próximos 11 dias, ele continua com a caneta de presidente do STF e do CNJ na mão. Pode ou não causas novos estragos.
A conferir.