Desde que Lula o nomeou ministro do STF Dias Toffoli entrou numa berlinda sem fim. A partir do julgamento do Mensalão, cada um de seus votos ou decisão enfrentou um acirrado escrutínio nas redes sociais. Os holofotes ficaram mais intensos quando ele assumiu a presidência do Supremo.
A principal desconfiança era de que, com uma canetada, de um jeito ou de outro, ele conseguisse abreviar a estadia de Lula na cela da PF em Curitiba. Toffoli frustrou todas as apostas nesse tipo de atalho. Não foi por convicção, mas por pragmatismo. Como os colegas Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, por ele Lula já estaria livre faz tempo. O problema foi a falta de apoio da maioria dos ministros do STF para tirar Lula da cadeia.
Se cede por um lado, Toffoli quer pesar a mão pelo outro. Em parceria com Gilmar Mendes, há tempos costura com caciques políticos medidas para baixar a bola de Sérgio Moro e conter a Lava Jato. O maior sucesso até agora foi um vitória de Pirro — evitar a transferência no organograma oficial do Coaf do Ministério da Economia para as asas de Sérgio Moro no Ministério da Justiça.
A bala de prata seria o inquérito, aberto à revelia da legalidade e do Ministério Público, para apurar ameaças ao próprio STF. Toffoli escalou o ministro Alexandre de Moraes, um jurista com alma policial, para a empreitada. Deu errado logo na largada com a tentativa de censura a sites jornalísticos.
Com Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato tendo que responder à divulgação à conta gotas de supostas mensagens trocadas pelo aplicativo Telegram, Gilmar e Toffoli pareciam aguardar os desdobramentos para voltarem a uma nova ofensiva depois do recesso do Judiciário.
Dias Toffoli, no entanto, partiu para um voo solo. Aproveitou a condição de responder sozinho pelo Supremo nas férias dos colegas e disparou balas para aonde nem ele sabe que pode atingir. De pronto, ele brecou uma apuração contra Flávio Bolsonaro e dezenas de deputados estaduais no Rio de Janeiro que, na maracutaia da rachadinha, teriam desviado uma fortuna dos falidos cofres estaduais. Isso e mais algumas investigações abertas contra políticos a partir de informes do Coaf e da Receita Federal Toffoli certamente avaliou antes de sua canetada.
O que investigadores Brasil afora dizem que Toffoli parece não ter se atentado é que, a partir de informes do Coaf, da Receita e do Banco Central, centenas, talvez milhares, de procedimentos foram abertos para apurar, além da corrupção, tráfico de drogas e de armas, entre outros crimes. Milícias e o PCC, por exemplo, estão entre esses alvos. Assim que se obtém um mínimo de evidências, a Justiça é chamada ao feito. Funciona assim nas democracias no mundo inteiro.
O Coaf não é uma jabuticaba. Foi criado a partir de uma cobrança de organismos internacionais que atuam contra o crime organizado mundo afora. Depois do atentado às Torres Gêmeas em Nova York, em 2001, os Estados Unidos tiraram a cobertura aos paraísos fiscais em sua política de combate ao terrorismo. Foi essa abertura que proporcionou um acesso inédito à pilhagem da corrupção em todo o planeta, inclusive no Brasil.
A atuação do Coaf, mesmo decisiva na apuração de casos emblemáticos de corrupção no país, é tímida. Foi criado e montado no final do governo FHC, não virou xodó de nenhuma administração posterior. Pelo contrário. Sempre foi um patinho feio que só sobreviveu por causa dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
Sérgio Moro tentou elevar seu status. Ministros do STF e caciques políticos entenderam essa proposta como uma tentativa de montar um Big Brother no Ministério da Justiça. Dedicaram boa parte de seus esforços no primeiro semestre a barrar a troca de endereço do Coaf. Conseguiram. Não foi o bastante para Toffoli.
Em sua canetada, na terça-feira, ele praticamente suspendeu as parcerias do Coaf com Ministério Público. Alegou que está previsto um julgamento sobre essa relação na pauta do STF para novembro. Até lá, ficariam paralisados todos os procedimentos abertos sem um pedido judicial prévio. Pela ordem natural das coisas, os radares do Coaf, Receita Federal e Banco Central captam movimentos atípicos, informam ao ministério público que, depois de avaliá-los, pede ou não providências à Justiça.
Dias Toffoli endossou argumentos da defesa de Flávio Bolsonaro, alguns coincidiam com manifestações suas anteriores, como uma precaução para uma decisão futura do STF. Só que, de acordo com nota da Procuradoria-Geral da República, há decisões do Supremo em vigor. O plenário do tribunal, em fevereiro de 2016, autorizou o compartilhamento de dados do Coaf. Com base nessa decisão, a Primeira Turma do STF tem referendado a parceria do Coaf com o Ministério Público.
A questão, portanto, é mais complexa. Além da canetada solitária atropelar investigações país afora, se as informações da procuradora Raquel Dodge estiverem corretas, Toffoli atropelou também a Primeira Turma e o próprio plenário do STF. Nesse caso, não dá para esperar novembro. Ou o próprio Toffoli se corrige ou o Supremo tem que abreviar essa decisão.
A conferir.