A diferença entre a chegada à presidência da Câmara de Eduardo Cunha e de seu discípulo Arthur Lira foi o apoio do Palácio do Planalto. Em um erro tático, a ex-presidente Dilma Rousseff entrou em um briga entre seus apoiadores e perdeu com a eleição pule de 10 de Eduardo Cunha. Pagou um preço por isso. Lira foi eleito com o apoio escancarado de Jair Bolsonaro. Ilusão alguém imaginar que isso seja garantia de fidelidade.
Com a mesma mão de ferro do seu mestre, Arthur Lira leu um discurso pregando pacificação e concórdia, e assim que sentou na cadeira de presidente da Câmara assinou um ato institucional cassando uma decisão do antecessor Rodrigo Maia, e punindo o PT e outros partidos que, mesmo sem oficialmente apoiando seu adversário, lhe deram votos. Pelo placar da votação, ficou evidente que, pelos mais variados motivos, o bloco de apoio a Baleia Rossi foi desidratado.
É isso que mais surpreende na primeira decisão de Arthur Lira, depois do marketing do discurso em pé para se igualar aos deputados, ao sentar na cadeira da presidência da Câmara. Negou toda a concórdia antes vendida em seu pronunciamento. Ele puniu no atacado quem lhe deu voto no varejo.
Comprou de graça mais uma briga para ser decidida pelo STF por uma contradição ao seu próprio discurso de campanha de combate a tal judicialização da política. O que ele ganha com isso? Aparentemente só perde. Mas, a exemplo de seu mestre Eduardo Cunha, passa um recado geral para o governo, empresários e os colegas de que recebeu uma caneta cheia de tinta. E vai administrar seu uso de acordo com interesse de sua galera. E isso sempre vai ter um preço.
Ninguém se iluda. A primeira conta é zerar a cobrança da corrupção. A turma que caiu no Mensalão e na Lava Jato retorna a cena com a sensação de volta por cima. Foi esse imã que moldou as alianças no Senado e as traições na Câmara.
O que está em jogo é o resgate da histórica corrupção no pais, que o Ministério Público, Polícia Federal, Banco Central, Receita Federal e COAF com o aval da Justiça pareciam ter superado. É o que justifica que a banda tucana que ainda segue o invisível maestro Aécio Neves se junte a petistas que só pensam em reverter as condenações da Lava Jato, especialmente as de Lula e de José Dirceu.
A ideia é passar uma borracha nos escândalos do passado, do presente e, se couber, dar um passe livre para roubalheiras no futuro. É inacreditável a incapacidade de grande parte dos políticos de entender o limite do que é aético, corrupção ou roubalheira pura. Em causa própria, se fingem de cegos.
Em vez de passarem por um processo de aprendizagem, como aos trancos e barrancos os cidadãos vivem e até evoluem, eles apostam na regressão. A eleição de Arthur Lira, um analfabeto funcional que aprendeu apenas o jogo bruto de Eduardo Cunha — um mestre também em golpes nos fundos de pensões e no mercado financeiro — foi a opção que escolheram para não darem satisfação a opinião pública.
Na ótica deles, Sérgio Moro, a Lava Jato e quem combate a corrupção em todos os níveis estatais e públicos estão em baixa. É a hora de virar o jogo. Fazer o mocinho virar bandido. Quem está preocupado com a verdade? Nas redes sociais, com gente acrítica das mensagens que recebe, vale a crença no que se acredita. É nessa confusão que a turma, grande alvo da campanha de Bolsonaro em 2018, ressurge agora como sua principal aliada.
Por mais que pareça maluco, impressiona o fato de não haver alternativas claras no cenário político. Se abrir um holofote, todas as forças políticas ficaram a nu nessas eleições para o comando do Congresso. O tal bloco com PSDB, DEM e MDB como base da candidatura de João Doria em 2022 se esvaiu no ar. As esquerdas também foram para o sal. É muito estranho, por exemplo, que o PT, que sempre teve exemplares assessorias jurídicas e especialistas em regimento, ter perdido o prazo regimental.
A estrondosa vitória de Arthur Lira com 302 votos no primeiro turno contra pífios 145 de Baleia Rossi expõe as vísceras fisiológicas da Câmara e, também, o instinto de sobrevivência de parlamentares investigados, acusados e alguns até condenados por corrupção.
Todos apostam, inclusive o clã Bolsonaro, em uma operação abafa.
A conferir.