Para Jair Bolsonaro, a demissão de Luiz Henrique Mandetta foi como se livrar de um engasgo. Seu ministro da Saúde estava entalado na garganta do presidente desde que se transformou em principal referência nacional por seu papel no combate ao novo coronavírus. Mais até que o espinho do ciúme, ele passou a ser encarado como outra ameaça ao projeto de tornar Bolsonaro líder inconteste de uma direita que, a exemplo da esquerda que a antecedeu, também tem planos de poder a longo prazo. A lista de desafetos já era grande a começar pelos governadores João Doria e Wilson Witzel.
A pandemia do covid-19 atropelou, também, esses devaneios. Bolsonaro encolheu enquanto seu ministro ganhou visibilidade e musculatura no enfrentamento da crise. Tirá-lo do caminho, além do alívio temporário para o próprio ego, em nada modificou a realidade. A evolução da epidemia continua uma incógnita para os especialistas e a população. As mesmas dúvidas que tinha Mandetta, apesar das pressões de Bolsonaro, persistem com o novo ministro Nelson Teich.
Por falta de testes e de preparo do nosso sistema de saúde para um pancadão do vírus nas periferias das médias e grandes cidades, os riscos de qualquer precipitação para interromper esse isolamento social já a meia boca são enormes. Evidente que, fanfarronice à parte, o próprio Bolsonaro tem medo disso. Basta olhar seu comportamento.
A arriscada demissão de Mandetta, um forte ponto fora da curva, em nada alterou o paradoxo presidencial. Bolsonaro continua alternando momentos de lucidez com desvarios. A grosso modo, dá para distinguir o presidente no Palácio do Planalto, sob influência direta de seus generais, onde exibe algum bom senso, e o provocador da porta do Alvorada para fora que perde as estribeiras. Nessa quinta-feira foi igual. Ao chegar ao Alvorada, soltou o verbo:
— Tem que enfrentar a chuva, pô. Tem que enfrentar o vírus. Não adianta se acovardar, ficar dentro de casa. Nós sabemos que a vida é uma só. Sabemos dos pais que estão preocupados com os filhos voltarem à escola. Mas tem que voltar à escola, nós não temos nenhuma notícia de alguém abaixo de 10 anos de idade que contraiu o vírus e foi a óbito ou foi para a UTI.
Em algum ponto do seu cérebro um curto-circuito o faz esquecer de toda a argumentação médica mundo afora do por que suspender as aulas. Nem com o mantra de que médico não abandona paciente, o doutor Henrique Mandetta conseguiu administrar esse comportamento ciclotímico de Bolsonaro. Os cuidados agora estão a cargo do doutor Nelson Teich. O bastão passou do ortopedista para o oncologista. A dúvida é se não seria mais apropriado um psicanalista.
A conferir.