Três meses atrás, uma pajelança de caciques políticos, com o aval de ministros do STF, fez um diagnóstico apocalíptico sobre a conjuntura político-institucional: o ministro Sérgio Moro e sua turma da Lava Jato estavam avançando sobre funções estratégicas na máquina pública federal com o propósito de tornar os poderes republicanos reféns da chamada República de Curitiba.
A partir desse diagnóstico, respaldado pelas suspeitas dos ministros do STF Gilmar Mendes e Dias Toffoli de que estariam sofrendo uma devassa na Receita Federal, resolveram montar uma estratégia no Congresso e no Supremo para cortar as asas de Moro e das investigações sobre corrupção puxadas pela Lava Jato. A abertura do controvertido inquérito sobre fake news no STF e a devolução do Coaf para o Ministério da Economia foram os alvos escolhidos para desencadear o processo.
Em um lance ousado, Dias Toffoli saiu na frente. Inventou um inquérito em que o Supremo marcava o escanteio, batia o córner e cabeceava. Não satisfeito, acrescentou ao lance um gol de bicicleta, com a decisão do ministro Alexandre de Moraes de censurar a imprensa. Deu ruim. O inquérito patina enquanto sua legalidade não é submetida ao plenário do Supremo.
No Congresso até agora a bola só rola na Câmara. O Senado só vai entrar no segundo tempo do jogo. Quem reina na Câmara é Rodrigo Maia e seus parceiros, os mais notórios são os líderes do Centrão, como os deputados Arthur Lyra, Wellington Roberto e Aguinaldo Ribeiro, linha de frente de outros encrencados em escândalos de corrupção como Valdemar Costa Neto, Ciro Nogueira e Aécio Neves. Todos juntos e misturados com o PT de Lula e seus satélites.
Essa grande turma ganhou gás com sinais vindos do Planalto. O ministro Onix Lorenzoni, chefe da Casa Civil, bem antes de aparecer como avalista de uma tentativa de salvar a reforma administrativa de Bolsonaro, estava incluído entre os churrasqueiros na fritura de Sérgio Moro. O primogênito Flávio Bolsonaro, cuja prioridade é salvar o mandato de senador da avalanche de denúncias de seus tempos de deputado estadual, também acenou para o exército chefiado por Rodrigo Maia.
Parecia uma avalanche. A cada tropeço do governo – e eles são tantos –, o apetite aumentou. O combinado lá atrás era centrar fogo na Lava Jato – temor comum – e ir cortando as asas de Moro, desossando seu projeto anti-crime e quem, sabe, o estimulando a um dia pedir o boné. A renúncia de Moro chegou a virar pauta.
Foi nesse embalo que jogaram o balão de ensaio para criar novos ministérios. O governo Bolsonaro, anestesiado por suas malucas brigas internas, topou. A turma contra a Lava Jato se animou e apostou também no veto à estratégica participação da Receita Federal no combate à corrupção – essa, sim, teria sido duro revés para as investigações. Tudo isso recebeu o aval a Casa Civil do Palácio do Planalto e teria passado batido pelo plenário da Câmara se não fosse uma questão de ordem do deputado Diego Garcia, líder do Podemos, estimulado pelas redes sociais, que tirou Rodrigo Maia do sério.
O que era um jogo de bastidores ganhou visibilidade. Os bodes saíram da sala. Sobrou apenas a lição que queriam dar ao Moro. Deixou de importar inclusive a eficácia da mudança de endereço do Coaf (acerto interno no governo, avalizado por Paulo Guedes, mantêm na Economia o comando e a orientação do órgão dados por Moro na Justiça). Na prática, seis por meia dúzia.
Mas por que, então, essa insistência?
Nas avaliações dos caciques políticos e ministros do STF, por várias vezes o Supremo e o Congresso chegaram muito próximos de conter a Lava Jato. Algo sempre deu errado na Hora H. Daí a relevância de uma derrota de Sérgio Moro, de preferência por um placar acachapante. A convocação, contra a vontade do governo, do ministro da Educação Abraham Weintraub por 307 contra apenas 82 votos, embasou os mais variados blefes.
Venderam uma maioria avassaladora contra Sérgio Moro, que até deve ser real nos bastidores, mas não se confirma no voto aberto. O placar de 228 votos contra 210 contra um Moro rifado pelos principais caciques políticos, com o apoio da oposição e o aval da Casa Civil do Planalto, mostra que se gastou muita munição para pouco resultado. Alguns caciques sequer entregaram o que prometiam.
Alguns exemplos: Integrante do Centrão, o PSD do cacique Gilberto Kassab votou contra Moro na Comissão Mista e reverteu o placar no plenário com impressionantes 30 a 1 — Nelsinho Trad, que votou na comissão, simplesmente se ausentou nessa votação; o líder do DEM, Elmar Nascimento, com o respaldo de Rodrigo Maia, foi quem mais falou grosso nas reuniões públicas – dos 27 deputados de seu partido, 11 seguiram seu voto contra 9 que ficaram com Moro; No PSDB, o deputado Célio Silveira (GO), mudou de voto em plenário depois de ter votado a favor da mudança do Coaf na Comissão Mista – dos cinco votos tucanos no plenário, três foram de Minas Gerais, a bancadinha de Aécio de Neves, e dois de Mato Grosso do Sul governado por Reinado Azambuja, investigado pela Lava Jato. Ocorreu o mesmo na oposição: a ala no PSB ligada aos caciques de Pernambuco assegurou o voto contra Moro de Camilo Capiberipe na Comissão Mista, mas perdeu em plenário por 17 a 13.
A soma desses e de outros resultados embaralham os prognósticos otimistas dos caciques políticos. Articuladores do movimento para conter Moro em Brasília fazem um contraponto. Dizem que não importa o placar, o mais relevante é que Sérgio Moro foi derrotado em votação nominal, em que as redes sociais estavam emparedando e ameaçando os deputados, com a TV Globo e toda a mídia contra a mudança do Coaf da Justiça para o ministério da Economia.
Mas se o objetivo era baixar a bola de Moro, o tiro parece ter saído pela culatra. Ele andava na berlinda. sofrendo algumas rasteiras palacianas como o liberou geral do decreto sobre armas, mas com a mobilização em seu apoio nas redes sociais foi quem mais ganhou com esse embate. Moro está pronto para o segundo round.
A conferir.