As crises de qualquer natureza costumam ser oportunidades para visionários, empreendedores, e oportunistas. No jogo de espertezas políticas, sempre foi um prato cheio. A pandemia causada pelo novo coronavírus impactou a política no mundo inteiro. Foi decisiva nos Estados Unidos para a derrota eleitoral do negacionista Donald Trump. No Brasil, virou o grande mote na preliminar da sucessão presidencial de 2022.
Seguidor acrítico dos delírios, pregações e métodos de Trump, o presidente Bolsonaro comprou do seu guru americano a ilusão de que a cloroquina salvaria a lavoura. E até hoje acredita nisso, como revela a inacreditável e absurda pressão do Ministério da Saúde, sob o o comando do obediente general Pazuello, para que o Amazonas, em plena segunda e forte onda da pandemia, opte por essa baboseira para enfrentar a grave crise sanitária. Diferente de Trump,que é muito mais esperto, porém, Bolsonaro seguiu negando a validade de vacinas.
Trump negava a gravidade da doença, expôs seus seguidores a contágios, mas mudou o script e apostou nas vacinas. Quis até apressá-las por interesses eleitorais. Aqui, Bolsonaro mantem a fé no absurdo roteiro original e até hoje questiona as vacinas. Insinua publicamente que elas podem transformar as pessoas em jacarés. Ao fazer desse absurdo campo de batalha, armou uma arapuca para si próprio. E ele não sabe como sair dela. Pior é que sempre pôs em dúvida a Coronavac, a vacina da parceria do Instituto Butantan, a maior produtora de vacinas no Brasil, com a Sinovac, uma das megas farmacêuticas chinesas — a única vacina que o governo tem hoje nas mãos para começar o processo de imunização.
Durante todo esse jogo errático de Bolsonaro, o governador João Doria fez um eficaz contraponto. Apostou na ciência. Fez disso um marketing de sucesso em todo o país. Seus briefings acompanhado de médicos e pesquisadores respeitados substituíram a ausência de informação desde que o ex-ministro Henrique Mandetta e sua equipe foram expulsos do campo de batalha.
Doria pareceu brilhante até a hora da verdade. Quando teve que abrir as cartas, seu caprichado marketing derrapou na maionese. Errou feio no anúncio meia boca sobre a eficácia da Coronavac. Os pesquisadores que são do ramo estranharam a falta de um dado essencial, que é o da eficácia global da vacina, que destoou dos anúncios dos laboratórios de todas as suas concorrentes no mundo inteiro.
Ficou a impressão que o número de sua eficácia global — 50,4% — considerado suficiente pelos critérios da Organização Mundial de Saúde e da nossa Anvisa, mesmo aceito e aplaudido pela ciência, decepcionou o marketing do Palácio Bandeirantes. A ausência nesse terça-feira de João Doria do anúncio dessa eficácia global reforçou essa impressão. Foi gol contra.
Com seu negacionismo, Bolsanaro joga contra e erra o tempo inteiro. Quando esperava triunfar, Doria pisou na bola. Semana que vem pode ter vacina na praça. Pode ser uma boa oportunidade para a correção de erros.
A conferir.