Por mais que um jogo de fumaça tente atrapalhar que se enxergue o que está escancarado aos olhos de todos, não há como não ver que em plena pandemia ações e omissões criminosas, intencionais ou não, põem o governo Bolsonaro no banco dos réus. O desdém com a crise de oxigênio no Amazonas é até aqui o mais trágico desfecho de uma gestão que trocou a ciência por ilusões de medicamentos milagrosos alimentadas nas redes sociais.
As prioridades zero, um, dois e três do presidente Bolsonaro é livrar a si e a seu clã de julgamentos na Justiça e no Congresso. Tudo o mais, inclusive suas principais bandeiras eleitorais, virou supérfluo. A família Bolsonaro quer escapar livre, leve e solta, de preferência ainda no poder, por malfeitos do passado e do presente. Quem sabe, até com alguma espécie de habeas corpus para o futuro.
Toda vez que sente que a casa pode cair, Bolsonaro engrossa a voz, faz ameaças que sabe que não pode bancar, e depois afina para as forças tradicionais que dão as cartas em Brasília. É uma tática primária e binária: tenta manter aguerrida sua militância nas redes sociais enquanto barganha nacos de poder com quem se alimenta do uso da máquina pública para sobreviver política e economicamente. Suas principais alianças hoje são com protagonistas da corrupção endêmica no país.
Nessa segunda-feira (25), o ministro do STF Ricardo Lewadowski acatou pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, e abriu investigação sobre a conduta do ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, na pandemia. O alvo principal dessa apuração é o descaso do Ministério da Saúde com os alertas sobre a crise de oxigênio em Manaus que causou mortes por asfixia.
Pazuello é um general da ativa que sempre se comportou como soldado raso diante do capitão Bolsonaro. “Um manda, outro obedece”, sua famosa frase tempos atrás quando aceitou a ordem de Bolsonaro para não comprar a ” vacina de Doria”, a Coronavac. A roda gira, o tempo passa, e Bolsonaro hoje, alertado por pesquisas, quer dividir com Doria os louros da maldita vacina chinesa. Como sempre, apaga o passado e segue em frente.
A dúvida entre investigadores é se esse inquérito é prenúncio de sua queda ou rota de fuga para Bolsonaro. Augusto Aras, que ainda mantém alguma esperança de ser indicado para a vaga a ser aberta com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello no STF, vinha fingindo de morto nos desmandos no enfrentamento a pandemia do novo coronavírus. Gerou mais confusão quando tentou explicar sua omissão em uma nota que foi um verdadeiro tiro no próprio pé. Mereceu cada uma das pancadas que recebeu.
Mas o que doeu mesmo foi a iniciativa de três senadores- Alessandro Vieira, Fabiano Contorato e Randolfe Rodrigues — que pediram ao Conselho Superior do Ministério Público que apurasse uma prevaricação de Aras sobre as condutas de Bolsonaro e Pazuello durante a pandemia. Aras, que não tem maioria no Conselho, não quis pagar pra ver. Preservou Bolsonaro e entregou Pazuello aparentemente de bandeja.
É sabido e notório que o capitão não tem o menor pudor em se livrar de ninguém quando se sente ameaçado. Nesse seu jogo em busca de impunidade pra si e os seus, Bolsonaro já rifou, por exemplo, o general Santos Cruz, com muito mais peso no currículo e nas casernas que Pazuello. Evidente que nessa gestão federal da pandemia há uma penca de crimes. O que agora entra em jogo é quem vai pagá-los.
Pazuello virou a primeira e óbvia cabeça a prêmio. Por mais que choque seus companheiros da ativa, entregar sua cabeça virou a melhor defesa de Bolsonaro. É o preço da sabujice. O problema desse script é que só pode funcionar se o general Pazuello sair com o rabo entre as pernas. Se ele reagir, Bolsonaro, pode ir junto.
A conferir.