Sérgio Moro fez muito bem em alertar Jair Bolsonaro e outros chefes de poder de que eles teriam sido alvos de hackers. É o que se espera de autoridades de segurança em todo e qualquer país democrático. Moro, no entanto, certamente furou o sinal se, conforme revelou nota do Superior Tribunal de Justiça, ele informou ao ministro João Otávio de Noronha, presidente do STJ, de que os grampos apreendidos com os hackers seriam descartados “para não devassar a intimidade ninguém”.
Pisou num monte de bolas. Primeiro porque não tem esse poder, privativo de decisões judiciais, sujeitas a recursos. Desagradou também aos investigadores do caso porque indevidamente palpitou na área deles. Deu, também, munição a quem se sentia incomodado com a descoberta da quadrilha de hackers e seus possíveis desdobramentos.
Sérgio Moro apanhou de todos por isso e, de quebra, tomou pancada por uma portaria que, em casos específicos, torna sumária a deportação de estrangeiros do Brasil. Foi o suficiente para o jornalista Grenn Greenwald, do site The Intercept, puxar um coro de que ele seria o alvo: “Impensável em qualquer democracia, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, está comandando a investigação sobre o nosso jornalismo, embora sua corrupção seja o que expusemos. Ele está ameaçando revisar uma lei de segurança nacional da era da ditadura para me prender por reportar”, postou Greenwald no Twitter.
Não consegui de nenhuma fonte, algumas bem críticas a gestão de Moro no Ministério da Justiça, uma brecha para enquadrar Greenwald, americano casado com brasileiro, nessa tal portaria. O máximo que ouvi é que essa suspeita se sustenta porque o governo namora com o autoritarismo, o que no mínimo é uma forçação de barra. “O texto está sendo discutido desde 2017. É um ano e meio de trabalho. Ela não é uma portaria isolada, faz parte de um contexto”, argumentou André Furquim, diretor do Departamento de Migrações da Secretaria Nacional de Justiça, em um comunicado do Ministério.
Se o sapato apertou no pé de Moro, por ter avançado sinal na conversa com o presidente do STJ, a cada revelação no caso dos hackers, seus pontos obscuros, a saia também fica mais justa para Greenwald e seus aliados. Gente do ramo enxergou uma penca de problemas no depoimento de Walter Delgatti Neto, o Vermelho, que descreve com desenvoltura suas supostas idas e vindas em sucessivos grampos a telefones das mais variadas autoridades. Quando as perguntas se referem a dinheiro, ao envolvimento de outras pessoas, as respostas ficam bem mais vagas.
A propósito, vale reproduzir a sequência final do depoimento, quando Delgatti se esquiva das perguntas dos federais: “QUE perguntado se conhece (RASURADO) se reserva ao direito de permanecer em silêncio; QUE não possui formação técnica na área de informática, sendo um autodidata; QUE não exerce nenhuma profissão remunerada; QUE perguntado como obteve recursos para compor suas aplicações financeiras, afirmou não saber; QUE realizou operação de câmbio no Aeroporto de Brasília e no Rio Grande do Norte, tendo em vista a necessidade de adquirir dólares para um amigo; QUE perguntado qual o amigo seria esse, se reserva ao direito de permanecer em silêncio; QUE perguntado se comprou dólares a pedido de (RASURADO), se reserva ao direito de permanecer em silêncio”.
Além de tropeçar em questões relevantes para esclarecer o caso, Delgatti diz que, em uma seleção prévia, separou o que, a seu critério, tinha ou não relevância para enviar ao The Intercept. Descartou, por exemplo, o conteúdo das conversas dos procuradores da República que atuam no caso Greenfield porque não “encontrou nada ilícito”. Diz ter feito o mesmo com mensagens de outros grampeados. “QUE não armazenou nenhum conteúdo das contas do Telegram da ex-presidente Dilma Rousseff e do ex-governador Pezão, tendo em vista que eram contas com poucas mensagens”.
Sua versão sobre como entrou em contacto com Glenn Greenwald também ficou na berlinda. Ele descreveu um tortuoso caminho que passou por Pezão e Dilma Rousseff para conseguir o telefone da ex-depurada Manuela D`Ávila, candidata a vice-presidente na chapa de Fernando Haddad. Contou que telefonou para ela e pediu o contato de Greenwald. Deu detalhes da conversa. Em nota, Manuela confirma a intermediação, mas negou que tenha falado com ele por telefone, diz que houve uma troca de mensagens em que ele não se identificou. Manuela, que pôs seu telefone, com as mensagens trocadas com Delgatti, à disposição dos investigadores da PF, conta que ela foi quem sugeriu que o hacker procurasse Greenwald.
Pelo andar da carruagem, as apurações da polícia ainda terão que preencher lacunas, contradições e pontos obscuros. Vem novidades por aí.
A conferir.