O calorão e a seca agravam a sensação de mal estar e a impaciência em Brasília. No fim do expediente dessa sexta-feira, ao chegar ao Palácio da Alvorada, Jair Bolsonaro reagiu mal a uma pergunta obrigatória dos repórteres: se ele cumpriria ou não seu dito anterior de que um indiciamento da Polícia Federal seria o bastante para demitir seu ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. “Sem comentários. Ralo o dia todo e vocês não têm uma coisa boa para perguntar?”.
Com a grosseria costumeira, ele deu as costas aos repórteres. Alguns minutos depois, em um gesto pouco habitual, dirigiu-se de novo aos repórteres. “Pessoal, me desculpa aí. Eu estou com a cabeça quente”.
Talvez o que menos esquente os miolos presidenciais seja manter ou demitir o ministro Marcelo Antônio. Se ele perder o cargo na Esplanada dos Ministérios, volta para a Câmara dos Deputados, com o mesmo foro privilegiado para se defender das acusações de usar um laranjal em sua reeleição em Minas Gerais.
Também não aquece mais o cérebro de Bolsonaro a régua ética por ele anunciada para sua equipe de governo: conclusões nas investigações da Polícia Federal e Ministério Público e o parecer final de Sérgio Moro. Garganteou como um filtro eficaz contra a corrupção. Esse discurso não resistiu ao jogo bruto do establishment político.
Mesmo com todo o poder presidencial, as encrencas familiares de Bolsonaro o deixaram vulnerável. Quem entende do riscado avalia que a rachadinha de Flavio Bolsonaro na bichada Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro é apenas a ponta do Iceberg. O que se fala, inclusive entre militares e investigadores bem informados, é que o clã Bolsonaro só tem a perder com o aprofundamento das investigações federais no Rio de Janeiro.
É nesse contexto que aumentam as preocupações e as alternativas presidenciais. Bolsonaro ficou encantado com a canetada do ministro Dias Toffoli, no plantão do STF, que, a pedido do senador Flávio Bolsonaro, suspendeu as apurações sobre as rachadinhas no Rio e todas as investigações baseadas em relatórios do Coaf. Foi a pedra de toque para sacramentar um acordão entre Toffoli, Bolsonaro e Rodrigo Maia.
O clã Bolsonaro, que se move a teorias da conspiração, se sentiu tão forte que partiu para uma guerra contra as corporações estatais de controle, fiscalização e repressão, as forças que no combate à corrupção ajudaram a pavimentar a chegada de Bolsonaro ao poder. Com os Bolsonaros tendo de explicar suspeitas de corrupção e de ligações com as milícias no Rio de Janeiro, a Polícia Federal, a Receita Federal, o Coaf, o Ministério Público num passe de mágica viraram adversários.
Os diálogos da turma da Lava Jato, divulgados pelo site The Intercept e outros veículos de imprensa, se passaram dos limites, que sejam investigados. Quem avançou o sinal que seja punido. Outros disseram em conversas informais o que se fala no dia a dia nos diálogos entre policiais, procuradores e juízes em todas as instâncias. E estão sendo censurados de maneira hipócrita por quem em todas as esferas do poder usa a mesma linguagem. Mas isso tem um propósito. Dar pretexto para reverter o resultado de investigações, processos e condenações por corrupção, sonho de consumo de caciques políticos, empresários e altos funcionários estatais flagrados no maior escândalo de corrupção da história do país e um dos maiores do mundo.
O que toda essa eclética turma quer, na expectativa de salvar o próprio pescoço, é o desmonte de todo o sistema de controle estatal, que vem aprimorando o exercício dos poderes para combater a corrupção e defender a cidadania que ganhou com a Constituição de 1988. O Mensalão foi um marco, um aprendizado para a Lava Jato, que atropelou as elites políticas, empresariais e burocráticas. Desde o governo Dilma Rousseff, foram inúmeras tentativas para brecar essa incontrolável Lava Jato, com a participação dos principais protagonistas da política brasileira. Alguns exemplos: José Sarney, Lula, Aécio Neves, Michel Temer, Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Romero Jucá, Edison Lobão, Delcídio do Amaral conspiraram com esse propósito.
Pela primeira vez na história do Brasil, um elenco com essa dimensão simplesmente fracassou. Até hoje essa elite política brasileira não entende como tudo deu tão errado. A narrativa de que houve um complô de orgãos de controle estatais, lançada pelo PT, encampada por punidos de todos outros partidos, e endossada até por ministros do STF, continua frágil. Nenhuma das várias versões dessa narrativa consegue explicar o bilionário assalto a Petrobrás e a todo estado brasileiro, sem a participação deles. É a tese do crime sem criminoso.
Nem todos eles juntos conseguiram fazer o país engolir essa cascata. Todas as pesquisas mostram que a ampla maioria da população é contra esses cambalachos. É isso que até agora impediu que os acordões no establishment político, inclusive entre chefes de poderes, com medidas restritivas adotadas pelo Executivo, Legislativo e Judiciário, tenham conseguido barrar a Lava Jato e inúmeras investigações sobre crimes de colarinho branco país afora.
Mesmo com a morte da Lava Jato sendo diariamente anunciada
A conferir.