Dia sim, no outro também, Jair Bolsonaro dá uma estocada em Sérgio Moro. Sempre subindo o tom. Caciques políticos e palacianos se admiram com o fato de Moro ainda não ter pedido o boné e deixado o governo. Espalham variadas versões para o “receio” do ministro da Justiça largar o poder. Há aliados de Moro que também defendem que ele pare de engolir sapos e rompa logo com Bolsonaro. Outros parceiros fazem uma análise diferente.
O que tem feito Jair Bolsonaro esbravejar toda a manhã, ao cruzar com os repórteres de plantão à porta do Palácio da Alvorada? Um dia é a Receita Federal, no outro a Polícia Federal, sem falar na fogueira em que se meteu com as asneiras sobre as queimadas na Amazônia. As bobagens amazônicas são fogo de palha, maneira burra de distrair a plateia. O que de fato o incomoda são as apurações e investigações do Coaf, da Receita Federal e da Polícia Federal que, de um jeito ou outro, esbarram em encrencas do clã Bolsonaro no Rio de Janeiro.
A prioridade de Jair Bolsonaro sempre foi sua família. Gente de seu entorno diz que, na ótica dele, assim que assumisse o poder em Brasília, os eventuais problemas do passado se dissipariam. O caso envolvendo o senador Flávio Bolsonaro — e todos os seus desdobramentos familiares — estariam superados. Não foi o que aconteceu.
Seu ministro da Justiça e todos os órgãos de controle de seu governo não mexeram sequer um pauzinho para travar o avanço das apurações. Quem apareceu com uma solução mágica foi o ministro Dias Toffoli, presidente do STF, que numa canetada suspendeu o inquérito que atingia Flávio Bolsonaro e dezenas de investigações baseadas em relatórios do Coaf.
Foi o suficiente para Bolsonaro se convencer de um canto de sereia que vinha ouvindo desde que assumiu o governo e começou a se relacionar com outros poderes em Brasília: a tinta de sua caneta nova, se adequadamente usada, era capaz de produzir prodígios nos embates entre poderes. Inspirado no neo parceiro Toffoli, que também tirou o Coaf e a Receita do cangote de ministros do STF, ele resolveu reorganizar os órgãos de controle de acordo com as necessidades do clã Bolsonaro.
O maior trunfo foi a transferência do Coaf para o Banco Central. Ali, os atuais conselheiros seriam substituídos inclusive por gente de fora do serviço público. A resistência dos orgãos de controle, com o apoio de Sérgio Moro, conseguiu barrar essas mudanças. Os conselheiros, inclusive os dois delegados federais que iniciaram a Lava Jato, foram mantidos nos cargos.
No embalo do Coaf, sempre no afã de proteger Flávio Bolsonaro, o 001, o presidente resolveu meter o bedelho na Receita Federal e na Polícia Federal no Rio de Janeiro. Além do superintendente da Receita no Rio, ele quis mudanças inexplicáveis como trocar, por um indicado dos Bolsonaros, o chefe da Alfândega do Porto de Itaguaí, posto tido como estratégico no combate a milícias e a outras facções criminosas. Uma pequena sublevação na Receita resultou na queda do subsecretário-geral João Paulo Fachada, mas até agora preservou sua estrutura no Rio. Pode ter sido uma vitória dos adversários da Lava Jato, mas ainda não abriu espaço para a troca no Rio pelos apadrinhados de Flávio Bolsonaro.
Com todas as farpas em Moro, Bolsonaro ainda não conseguiu emplacar seu candidato à chefia da Polícia Federal no Rio de Janeiro. O máximo que até agora conseguiu foi abreviar a saída do delegado Ricardo Saadi. Com o apoio de Flávio Bolsonaro, o delegado Alexandre Saraiva, superintendente da PF no Amazonas, foi barrado pela cúpula da PF, que escolheu outro delegado para o cargo. Essa decisão foi comunicada a Bolsonaro pelo diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, acompanhado por Sérgio Moro.
Foi uma conversa indigesta para Bolsonaro. Ele passou dias se remoendo. Até que criou coragem e, nas declarações aos plantonistas da imprensa nessa quinta-feira, ameaçou demitir Maurício Valeixo. “Agora há uma onda terrível sobre superintendência. Onze foram trocados e ninguém falou nada. Sugiro um cara de um Estado para ir para lá, `está interferindo. Espera aí. Se eu não posso trocar o superintendente, eu vou trocar o diretor-geral”.
Diante dessas ameaças, Sérgio Moro deveria pedir demissão? Uns aliados acham que sim. Outros pensam diferente e avaliam que, enquanto ele conseguir resistir aos desvarios de Bolsonaro, evitando o desmanche dos órgãos estatais de controle, não tem porque pedir demissão. Joga para Bolsonaro e sua acalentada Bic o ônus de demitir um subordinado que tem mais popularidade do que ele. É pagar para ver.
A conferir.