Uma armadilha alimenta a crise política. Depois de apostar em um acordão com o establishment político, costurado por Dias Toffoli e Rodrigo Maia, Jair Bolsonaro se sentiu lesado com os resultados. Nem o Supremo manteve o salvo conduto para Flávio Bolsonaro nem o Congresso facilitou sua governabilidade. A cada negociação, perdia um naco. Entregou a cabeça de Sérgio Moro e teve de recuar tamanho o estrago em sua base eleitoral. Fez uma barganha em torno do R$ 1,5 trilhão do Orçamento da União, entregou a bagatela de R$ 30 bilhões para um rateio no Congresso e tomou um susto quando soube que isso seria abatido dos R$ 80 bilhões de gastos livres. Todas as demais verbas são carimbadas. Mesmo o arranjo em que cada poder manejaria R$ 15 bilhões ficou indigesto.
Bolsonaro até pareceu conformado com essas decepções. O que o fez retornar das férias com uma disposição bélica incomum na arena de poderes em Brasília? Primeiro, no final do ano passado, o STF ter tirado o manto de proteção que Toffoli havia coberto Flávio Bolsonaro, liberando as investigações no Rio de Janeiro. Destaque nesse mesmo capítulo foi a morte do capitão miliciano Adriano Nóbrega, e seus imprevisíveis desdobramentos. Segundo, foi a convicção em seu bunker militar de que o governo cedeu demais nos acertos com os caciques políticos. E que, nessa toada, teria cada vez de pagar um preço maior para aprovar suas propostas no Congresso.
O que é uma realidade. A questão é se isso é um abuso ou o preço da democracia.
A disputa entre Executivo e Legislativo na gestão do dinheiro público é a essência da democracia. O toma lá, dá cá, em vigor desde a Constituinte, é sua distorção, fonte primária da colossal corrupção política que teve seu apogeu no escândalo da Petrobras. As descobertas da Operação Lava Jato detonaram a elite política do país, todos os partidos relevantes no país foram flagrados em corrupção, e lideranças do peso de Lula, Sérgio Cabral, José Dirceu, Eduardo Cunha, Eduardo Azeredo, Palocci, Maluf etc foram parar na cadeia. O próprio governo Bolsonaro, com Onyx Lorenzoni pilotando a Casa Civil, por mais que fugisse do fisiologismo clássico, quando precisou usou as burras do Tesouro para vencer votações importantes.
A novidade agora é o método de negociação adotado pelo Palácio do Planalto. Depois do conturbado flerte no Acordão, que não deu os resultados esperados, a opção foi acrescentar o porrete como argumento. Balões de ensaio, blefes e até acasos serviram como teste. Reações tímidas, algumas amedrontadas, deram sinal verde até para o “foda-se” do general Augusto Heleno. O sucesso entre seus seguidores nas redes sociais deu corda.
Criou-se nesse novo patamar nas ameças com um morde e assopra a cada dia. É assim em relação a convocação das manifestações marcadas para 15 de março com bandeiras contra o Congresso e o STF e outros embates. Estica-se a corda e a recolhe quando representa algum risco. Por exemplo, Bolsonaro avançou o sinal da legalidade quando divulgou um vídeo de apoio a essas manifestações. Depois, fingiu recuo diante das reações. Quer posar de vítima pela grita em favor do seu impeachment, o que só alimenta os protestos a seu favor. A nova versão para o protesto é que seus partidários querem evitar um golpe para destituir Bolsonaro. Por essa narrativa, pregar a derrubada dos presidentes Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre é manobra defensiva.
Há motivos de sobra para protestos contra o Congresso e a Justiça e, também, contra o governo Bolsonaro. Em graus diferentes, são apenas a face atual do descalabro da vida inteira do Estado brasileiro. É nesse amplo campo que todos os jogos devem se desenrolar.
Porretes e pontapés não valem. São faltas que a democracia tem regras para punir. Esse é o limite. O impeachment é uma das punições.
A conferir.