O ministro da Justiça, André Mendonça, liderou com folga a corrida pela vaga do decano Celso de Mello no STF até a sua gestão na crise provocada pela revelação da existência de um dossiê com nomes de servidores e professores antifascistas. Adotou uma postura conciliadora que se mostrou eficaz no Supremo, mas o fez perder pontos com Bolsonaro e ser carimbado pela chamada ideológica como vacilante. Apesar desse fogo amigo, continuou com apoio de ministros do tribunal.
Para tirar André Mendonça do páreo, sem marola, fontes palacianas e alguns aliados do Centrão vazaram a preferência do presidente pelo ministro Jorge de Oliveira, da copa e cozinha do clã Bolsonaro. Mesmo com restrições a seu currículo jurídico entre seus supostos colegas, a carta Jorge de Oliveira fez com que outros concorrentes praticamente guardassem seus coringas para a segunda vaga no tribunal a ser aberta ano que vem com a aposentadoria compulsória do ministro Marco Aurélio Mello. O procurador Augusto Aras e o ex-presidente do STJ João Otávio de Noronha teriam se conformado.
Com a pista livre, Bolsonaro surpreendeu com a escolha de Kássio Nunes Marques para a cadeira do decano. Dizem colegas do desembargador no TRF-1 que o próprio Kassio, em campanha para a vaga do ministro Napoleão Maia no Superior Tribunal de Justiça, também foi pego de surpresa. Na noite da terça-feira (29), o martelo foi batido na pajelança na casa do ministro Gilmar Mendes, com a participação de Dias Toffoli e o senador Davi Alcolumbre, presidente do Congresso.
Apesar desse aval da cúpula do establishment político — endossado pelo Centrão, caciques políticos de vários matizes e por advogados criminalistas que combatem a operação Lava Jato — ainda há resistências. O maior foco é no STJ onde vários ministros em campanha ostensiva ou apenas nos bastidores pela vaga não gostaram da opção por um nome de um tribunal inferior. Eles têm o apoio de Luiz Fux, novo presidente do STF, cujo candidato é o ministro do STJ Luís Felipe Salomão. Essa turma argumenta que estão furando a fila.
Kassio, 48 anos, destacou-se no Piauí como advogado, inclusive em direito eleitoral, e teve apoio dos colegas e de políticos de vários partidos – do PT, MDB e do Centrão — para pular o balcão e se tornar juiz. Teve uma curta experiência no TRE-PI e conseguiu com o apoio dos senadores Ciro Nogueira e Renan Calheiros, entre outros, a nomeação em 2011 pela presidente Dilma Rousseff para desembargador federal no TRF-1. Sua atuação no tribunal é elogiada por colegas e procuradores regionais da República. Dizem que ele é eficiente, uma verdadeira máquina de julgar processos, e um bom juiz.
Mesmo os que criticam algumas de suas decisões, em questões polêmicas envolvendo terras indígenas e meio ambiente, fazem questão de destacar sua competência e correção. E também sua discrição. Seus votos são elogiados por serem consistentes, concisos e objetivos. São avaliações de procuradores que são críticos ferrenhos do desempenho de alguns outros desembargadores no tribunal. Há um consenso que, se chegar lá, Kassio Nunes será mais um conservador no STF nas pautas de costume.
Mesmo assim, sua escolha enfureceu a patrulha ideológica que segue o guru Olavo de Carvalho. Eles partiram para o ataque no jornal Brasil sem Medo e nas redes sociais. Kassio é apontado como aliado do PT, criticado por sentenças e entrevistas à imprensa, como o apoio à prisão a partir da condenação em segunda instância e o voto favorável a Cesare Batisti. Centram fogo também na liberação da compra pelo STF de artigos de luxo, tidos como mordomia, que virou o escândalo das lagostas, bastante explorada pelas redes bolsonaristas em suas campanhas contra o tribunal.
A expectativa no Congresso e no mundo jurídico é de que ele também vai se alinhar a ala liderada por Gilmar Mendes e Dias Toffoli no combate à Lava Jato e a outras grandes investigações sobre corrupção política. Os caciques políticos apostam nisso. Sua atuação no Tribunal não dá maiores pistas. “Ele tem dificuldade em temas criminais”, avalia um procurador com forte atuação no combate à corrupção política. “Mas preza por sua independência. Não aposte em um alinhamento automático com Gilmar e Toffoli”.
O grupo que quer melar de vez a Lava Jato não pretende correr esse risco. Aposta que Kassio Nunes ou qualquer outro nome indicado por Bolsonaro vai bater ponto na Primeira Turma do STF. Ali, como Marco Aurélio Mello já avisou que não pretende se mudar, na condição de segundo mais antigo, Dias Toffoli reivindicaria a volta para a Segunda Turma, que é responsável pelo destino da Lava Jato e das sentenças de Sérgio Moro. A meta é anular investigações, processos e condenações de caciques políticos por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Há uma enorme fila, puxada pelo ex-presidente Lula, na expectativa do liberou geral. Vai dar certo?
A conferir.