O sábio Ulysses Guimarães costumava dizer que com um “se” você bota até Paris dentro de uma garrafa. Foi a carta que sobrou para quem apostou fichas em um tombo de Sérgio Moro em seu depoimento à Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Nem precisava das longas 9 horas. O resultado ficou previsível tão logo a ofensiva inicial das oposições, com indagações contundentes com o propósito de tirar Moro do sério, não surtiu nenhum dos efeitos esperados.
Foi uma longa batalha que, na realidade, durou pouco. Quem teve paciência para assistir todo o depoimento percebeu que o aguardado embate teve um fim precoce. O tiroteio para abater a turma da Lava Jato arrefeceu ainda pela manhã, depois dos disparos dos senadores Weverton Rocha (PDT-MA), Ângelo Coronel (PSD-BA), Humberto Costa (PT-PE) e Fabiano Contarato (Rede-ES), que sequer buliram na linha de defesa de Sérgio Moro.
Moro se manteve o tempo inteiro fiel ao script de que não cometeu qualquer ilegalidade em nenhuma das mensagens “criminosamente” hackeadas que foram divulgadas. Foi uma fácil estratégia de defesa. As contestações ao teor das mensagens até agora reveladas, por mais que repercutam, ainda não são suficientes para sustentar um acusação de conluio de Moro com a Lava Jato. Elas simplesmente não têm o potencial de escândalo que lhe estão sendo atribuídas. São banais em outras grandes investigações e no dia a dia justiça brasileira em todas as instâncias. Isso é fato, sem qualquer juízo de valor.
Hipocrisias à parte, o tal mundo jurídico com suas panelinhas e caixas-pretas merece um urgente escrutínio da sociedade. A própria força tarefa da Lava Jato com a tentativa de abocanhar uma bilionária devolução de grana roubada da Petrobras mostrou que nenhum poder pode ficar, em momento algum, fora de controle.
Voltando ao depoimento de Moro ao Senado. Esgotadas as primeiras e previsíveis cobranças, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) mudou de trilha e cometeu um erro primário em questionamentos desse nível. Comprou pelo valor de face algumas “denúncias” que rolam nas redes sociais. Atribuiu, por exemplo, as respostas afiadas de Moro aos senadores a um media training que teria sido ministrado por uma empresa ao custo de R$ 180 mil. Quis saber quem pagou. Morou negou o treinamento e disse que o senador estava mentindo.
Rogério Carvalho insistiu na pauta de fake news nas redes sociais. Entre outras coisas, levantou suspeitas de que a advogada Rosângela Moro, na época em que o marido era juiz federal, advogou para empresas petrolíferas e negociou delações premiadas na Lava Jato. Levantou a bola para Moro virar o jogo. Apresentar-se como vítima e ser assim reconhecido pela grande maioria dos senadores que se revezaram ao microfone na longa reunião da CCJ. Dos 40 oradores, o placar a favor de Moro foi de 28 a 12. A parte final da reunião foi um festival de elogios a Moro, um verdadeiro oba a oba.
Bem antes disso, tão logo a oposição percebeu que a partida estava perdida, a aposta passou a ser no mercado futuro de denúncias. Humberto Costa, líder do PT no Senado, deu o pontapé inicial no jogo. Depois de defender a demissão de Moro pelo conjunto da obra — incluindo a divulgação de diálogos entre Lula e Dilma Rousseff e as mensagens reveladas pelo The Intercep –, ele advertiu Moro sobre a promessa do jornalista Glenn Grennwald de já ter bombas para detonar durante um ano.
O senador petista Jaques Wagner seguiu na mesma toada. “Não sei o que está por vir, mas se vier…” e insistiu numa resposta do ministro do que faria na hipótese de ser divulgada uma nova mensagem que o comprometa. Disse que seria de “bom tom” ele se afastar do cargo no governo Bolsonaro diante dessas possíveis revelações. Moro entrou no jogo. Cobrou a divulgação de tudo o que foi hackeado para a sociedade avaliar. “Eu não tenho nenhum apego pelo cargo em si. Apresentem tudo, vamos submeter ao escrutínio público. E, se houver ali alguma irregularidade da minha parte, eu saio. Mas não houve porque sempre agi com base na lei”.
Essa declaração de Moro virou manchete na maioria dos sites. Sinal de duas coisas: o depoimento em si, em torno de mensagens na berlinda, não trouxe nada de novo, e o desafio para que o site The Intercept revele algo realmente bombástico até a próxima quarta-feira quando, em reunião conjunta, três comissões da Câmara dos Deputados voltam a ouvir Sérgio Moro.
A conferir.