Jair Bolsonaro levou uma surra na mídia e nas redes por causa de seu discurso ontem na ONU. Se o objetivo era falar para o público interno, dando explicações defensivas para erros cometidos na pandemia e no meio ambiente, o tiro saiu pela culatra. O pronunciamento só pegou bem na bolha bolsonarista. As dezenas, talvez centenas, de checagens de credibilidade que concluíram serem mentirosas diversas das afirmações levadas às Nações Unidas pulularam nos whatsapps o dia todo.
Botar a culpa das queimadas na Amazônia nos caboclos e índios foi patético, assim como jogar todas as responsabilidades pela Covid em governadores e prefeitos e a denúncia de uma suposta “cristofobia” que nunca havíamos identificado em nosso país. A nível interno, portanto, se o episódio não servirá para derrubar a popularidade presidencial — afinal, temos que reconhecer que a maioria dos cidadãos brasileiros está se lixando para o discurso do presidente na ONU — também não ajuda em nada.
Do ponto de vista de imagem externa, porém, o estrago pode ser grande. Desde o início do governo Bolsonaro, o Brasil já vinha num processo de perda acelerada de prestígio internacional nos mais variados países e organizações. Suas atitudes contra o multilateralismo, a subserviência aos Estados Unidos, ao apoio a ditaduras distantes só porque são autoritárias e, acima de tudo, o tratamento dado à questão ambiental destruíram em pouquíssimo tempo todo um acumulado de bons serviços prestados por governos anteriores no plano internacional.
Basta reparar que Bolsonaro conseguiu um feito: uniu contra si, em manifestos diversos, praticamente todos os ex-chanceleres que ocuparam a cadeira de Rio Branco nas últimas décadas, com suas variadas posições políticas e ideologias. Deram um exemplo a outros setores — sobretudo da política — de que, na hora de ser patriota e colocar o país em primeiro lugar, é possível passar por cima de vaidades e divergências. Esses ex-ministros são personagens respeitadas e com fortes conexões no exterior.
Na prática, o discurso do presidente na Assembléia das Nações Unidas representa mais um passo — um dos últimos — à beira do abismo do repúdio internacional ao país. E ele vai incomodar de verdade quando sair do declaratório dos organismos internacionais e bater mais fortemente no bolso brasileiro. Frigoríficos e outros setores do agronegócio já dão sinais de alarme com a perda de vendas para países que começam a deixar de comprar nossos produtos. Fundos investidores já alertaram que vão se bandear daqui.
Tudo isso, antes da fala de Bolsonaro, que perdeu a oportunidade de usá-la para recompor suas relações com o mundo, oferecendo segurança em relação às políticas de preservação do meio ambiente. Ao invés disso, ele contou lorotas que não enganam nem as crianças.