O ferrolho de Gilmar e Toffoli em apurações sobre o topo da Justiça
Investigadores apostam que Gilmar Mendes vai anular o inquérito que apura se famosos advogados fizeram a peso de ouro tráfico de influência e compra de sentenças em diversos tribunais
Se não houver outro contratempo, o decano Celso de Mello retorna de licença médica no próximo sábado para suas últimas semanas como ministro do STF antes de sua aposentadoria compulsória em novembro. Seu colega Gilmar Mendes pode ou não esperar sua volta para algumas decisões relevantes para o combate à corrupção no país. Uma delas é sobre os pedidos do ministro do STJ Napoleão Maia e de cinco seções estaduais da OAB para anular a investigação pela força tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro de supostas intermediações de conhecidos advogados de tráfico de influência e venda de sentenças judiciais, inclusive em tribunais superiores em Brasília.
Os pedidos estão nas mãos de Gilmar. As investigações decorrem de outras ações nas quais Gilmar ora se julgou impedido ora deu canetada, em uma das muitas polêmicas causadas por suas controvertidas decisões. No centro de todas elas está Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomércio-RJ, que, depois de muitos e caros dribles na justiça, se rendeu e fez uma explosiva delação premiada. A questão agora em pauta é sua acusação a escritórios de advogados famosos por receberem da Fecomércio R$ 151 milhões sem a efetiva comprovação de prestação de serviços advocatícios. Entre eles, Cristiano Zanim e Roberto Teixeira ( principais advogados de Lula), Eduardo Martins (filho do presidente do STJ Humberto Martins), Frederick Wassef (ex-defensor do Clã Bolsonaro), Adriana Anselmo (mulher e cúmplice do ex-governador Sérgio Cabral), e Ana Teresa Basílio (advogada do governador afastado Wilson Witzel).
São denúncias graves que envolvem decisões do ministro Napoleão Maia, a suposta participação de Cesar Asfor, ex-presidente do STJ, e de magistrados em outros tribunais, inclusive no Tribunal de Contas da União. Nos pedidos para a anulação do inquérito alega-se que os procuradores avançaram o sinal ao incluírem em suas apurações autoridades com foro privilegiado que deveriam ser investigadas no Supremo Tribunal Federal. Os procuradores rebatem com a informação de que até agora só agiram em relação a quem não é detentor de foro privilegiado, como os advogados cujos escritórios e residências foram alvos de mandados de busca e apreensão cumpridos pela Polícia Federal.
Gilmar é o relator do caso. Tem por hábito decidir de maneira monocrática. Nos últimos dois meses ( período de afastamento de Celso de Mello), tem optado por submeter os casos à Segunda Turma do Tribunal em que sucessivos empates têm beneficiados investigados, réus ou condenados. Ali a Lava Jato virou saco de pancada. Nessa terça-feira, Gilmar tem mais uma oportunidade para apostar em novo empate. Ou surpreender com o adiamento da decisão para a semana que vem, com a participação do decano. Casos envolvendo a Fecomércio-RJ há tempos ocupam espaço na mesa de trabalho de Gilmar.
Em junho de 2018, depois de uma longa investigação, Orlando Diniz foi preso na Operação Jabuti, acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa em seu verdadeiro feudo no Sistema S. Lá ele reinou — e desviou muito dinheiro — durante 20 anos no comando da Fecomércio (Federação do comércio de bens, serviços e turismo), no Sesc e no Senac do Rio de Janeiro. Ficou preso por pouco tempo. Saiu da cadeia beneficiado por um habeas-corpus concedido por Gilmar Mendes.
Os procuradores da República ainda tentaram reverter aquela canetada de Gilmar. Ingressaram com uma representação em que apontavam patrocínios da Fecomércio a eventos no Brasil e em Portugal promovidos pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), uma faculdade particular fundada por Gilmar Mendes, como razões suficientes para o impedimento do ministro. Queriam que ele seguisse o mesmo procedimento em outra causa envolvendo a Fecomércio, defendida pelo escritório de advocacia Sérgio Bermudes, no qual atuava sua mulher Guiomar Feitosa. Naquela ocasião, o ministro se declarou legalmente impedido. Os procuradores viram uma contradição entre as duas decisões registrada em uma reclamação judicial:
— A propósito, parece absolutamente despropositado e irrazoável que uma mesma causa de impedimento de magistrado incida em processo de natureza civil, em que questões de ordem patrimonial são objeto da lide, e não se aplique em processo de natureza penal, onde em jogo o direito fundamental à liberdade e o dever do Estado na repressão a crimes graves, na espécie a corrupção e a lavagem de dinheiro. Em outras palavras, não se reconhece na ordem jurídica pátria a figura do juiz ‘relativamente impedido`.
Gilmar não deu a menor bola. A expectativa dos procuradores é de que ele decida mais uma vez sem levar em consideração ponderações e reclamações da turma da Lava Jato, que combate abertamente. O que se espera é que ele tranque esse inquérito que poderia jogar alguma luz nos bastidores dos tribunais em Brasília, alvos de sussurros no meio jurídico sobre práticas nada republicanas. Vai se somar à canetada de Dias Toffoli, que arquivou 12 inquéritos baseados em delações do ex-governador Sérgio Cabral, entre as quais a promessa de também pôr na roda ministros dos tribunais superiores em Brasília, para evitar investigações que supostamente possam alcançar a cúpula da Justiça.