A cobrança da imprensa, das redes sociais e de manifestantes de vários naipes por uma explicação para os depósitos, no valor de R$ 89 mil, feitos pelo faz tudo Fabrício Queiroz na conta da primeira dama Michelle Bolsonaro, não afeta o sono apenas do presidente Bolsonaro. Sua assessoria no Palácio do Planalto também está ansiosa para uma resposta que tire esse incômodo assunto da pauta. Pelo jeito, apostavam que isso aconteceria na noite dessa quinta-feira (27).
No roteiro escrito para a live de Bolsonaro, que estava acompanhado da ministra Damares Alves, estava previsto um esclarecimento cabal. O ponto 7 desse roteiro, elaborado por assessores certamente orientados pelo próprio presidente, previa “Botar um ponto final na questão envolvendo Queiroz e a Primeira Dama”. Bolsonaro resolveu ignorá-lo, esse ítem foi até rasurado, e o papel foi afastado justamente em direção à câmera que estava filmando a fala semanal do presidente nas redes sociais.
Virou um flagrante do roteiro que acrescentou mais uma dúvida nesse intrincado enredo do envolvimento do clã Bolsonaro com as rachadinhas operadas por Fabrício Queiroz, motivo de tanta dor de cabeça desde o início do mandato presidencial. Depois de ter explicado — após a revelação dos primeiros R$ 24 mil depositados na conta de sua mulher Michelle –que esse valor seria parte do pagamento de um empréstimo de R$ 40 mil que ele disse ter feito a Queiroz, Bolsonaro emudeceu quando surgiram agora outras transferências para a conta da primeira dama. Portanto, todos também querem saber qual a versão que Bolsonaro desistiu de apresentar durante sua live ao país.
Fugir de das explicações, aliás, é uma rotina nesse escândalo das rachadinhas nos gabinetes parlamentares da família Bolsonaro. O próprio Queiroz ficou escondido durante um ano e meio e foi descoberto em uma casa em Atibaia de Frederick Wassef, o então todo prestigiado advogado de Bolsonaro e de seu primogênito. Assim que Queiroz foi preso, quem sumiu no mundo foi sua mulher, Márcia de Aguiar, tida com fio desencapado, que ficou foragida até o casal receber um passe livre do então presidente do STJ, João Otávio de Noronha. Flávio Bolsonaro também tenta escapar das investigações, com intermináveis recursos judiciais, até aqui relativamente bem sucedidos.
Na quarta-feira, mais um êxito de Flávio Bolsonaro. Parecer da Procuradoria-Geral da República, assinado pelo vice-procurador-Geral Humberto Jacques de Medeiros, ignora postura histórica do Ministério Público, e tenta dar um drible em jurisprudência do STF, para defender, com a tese de que houve apenas troca de foro, que a investigação sobre Flavio Bolsonaro não prossiga na primeira instância. A bola agora está com o relator do caso no STF, ministro Gilmar Mendes.
Gilmar é sempre uma incógnita. O que ele ontem defendia nem sempre vale em suas novas decisões. Além disso, quando se trata dos Bolsonaros e de outros poderosos da República, às vezes as próprias jurisprudências recebem novas interpretações no Supremo. Mas se for mantida a deliberação do plenário do tribunal, ratificada em decisões de suas duas turmas, inclusive em casos de mudança de foro — o mais notório foi o envio para a primeira instância de inquéritos sobre Aécio Neves, que apenas trocou o tapete azul do Senado pelo verde da Câmara — mais uma vez, Flávio só ganhou mais tempo.
A conferir.