Passei 51 anos no Congresso, exercendo mandatos, cinco de senador e três de deputado federal, dois deles eleito como o mais votado da oposição do Estado e um como suplente que assumiu o exercício do cargo várias vezes. Como político militante chego dos 14 anos até hoje, quando comecei como militante da juventude brigadeirista, portanto 76 anos. Assim, toda a minha vida foi dedicada à política, o que me faz o mais longevo político da história da República.
E na política foi o Parlamento a minha Casa de formação, onde aprendi a exercitar minha vocação de conciliador, meu respeito pela opinião dos outros e minha vivência do exercício e da prática da democracia. Cheguei a conceituar “de experiência feita”, no ensinamento de Camões, o Parlamento como “o coração da democracia”.
Já no final dos meus mandatos cheguei mesmo a descobrir que lá é um lugar que tem mais uma grande lição, ser melhor para ouvir do que falar, embora 70% da ação política seja a palavra. Saber ouvir, nos ensinava o Padre Vieira; e afirmava que o Espírito Santo tinha espinhos nos ouvidos para que as coisas não entrassem direto, ficassem espetadas para esperar meditação. Isto só o longo tempo faz descobrir.
Mas esta conversa fiada toda começou para dizer que nunca, durante este tempo de Parlamento, passou qualquer instante em que se falasse em reforma tributária — assunto permanente e cativo no Congresso — e que fosse de maneira consensual. Sempre o assunto despertou debates e divergências radicais e apaixonantes, sobretudo por envolver interesses irreconciliáveis: dividir dinheiro entre União, Estados e Municípios, além de corporativismos e oportunidades atrativas de pegar melhor pedaço.
Lembro isso porque vivi — uma parte como presidente do Senado e outra como simples senador — a guerra para criar a CPMF, chamado na origem imposto sobre cheque. A motivação era mais que nobre, dinheiro para saúde sempre à míngua. A primeira resistência veio dos bancos, reação violenta que, se não estou traído pela memória, a que já tenho direito, foi até ao STF. Tinha como aval e idealizador o Professor Adib Jatene, cientista consagrado, austero, respeitado e ouvido, que se tornou arauto da causa e peregrino desses recursos que iriam salvar a saúde. Sob seu prestígio e sua proteção ninguém recusava apoio. Passou. Dinheiro exclusivamente para saúde.
Seu amigo e devoto, dele ouvi quando resolveu abandonar o Ministério da Saúde que estava decepcionado. O dinheiro da CPMF da saúde tinha sido desviado pra pagar juros da dívida!… A decepção não era só dele. Era de todos nós que o tínhamos acompanhado. A Saúde ficou chupando pirulito.
Portanto são justos o pé atrás e a desconfiança de que se pretenda, sob qualquer motivação e qualquer nome, passar a perna de novo no Parlamento e até no Presidente, que proclamou ser contra.
O deputado e excelente Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que com tanto brilho tem desempenhado suas funções, tem formulado muito bem, e prudentemente, a sensata posição de não aceitar que o País seja passado para trás.
— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-deputado, ex-governador do Maranhão. Escritor. Imortal da Academia Brasileira de Letras (Artigo publicado também em O Estado do Maranhão)