Quando Mário Meireles, o grande historiador maranhense, que deixou uma lacuna impreenchível, morreu, uma filha sua comentou: “Meu pai, que resistiu a tantas doenças e tantos obstáculos, foi morto por um mosquito.” Ele tinha falecido de dengue.
Agora, as grandes potências, que desenvolveram arsenais de armas de destruição, treinaram milhões de homens para destruir e conquistar, criaram indústrias dedicadas a fazer armas cada vez mais mortíferas, usaram por tantos anos tantos cientistas para desintegrar o átomo e construir armas que ameaçam a destruição da Humanidade, de repente se deparam com um competidor na capacidade de matar e destruir.
É um micro-organismo tão pequeno que o cientista precisa de um microscópio eletrônico que aumente um milhão de vezes sua imagem, e assim possa ver suas coroas e estudar seu poder destruidor, que não ainda não foi completamente revelado: só mostrou que é capaz de matar mais de meio milhão de seres humanos, infectar treze milhões, desmontar a economia mundial, criar centenas de milhões de desempregados, espalhar a fome, disseminar o desmonte dos sistemas de comércio, abalar a economia, provocar uma matança de empresas, atingindo brutalmente os mais pobres e ameaçando o sono dos ricos. Um simples — ou melhor, altamente complexo — nanométrico vírus.
Um ser que talvez não seja vivo, mas nada tem de morto, pois vive de mudar e reproduzir. Entre uma célula que explora e outra, é um ácido nucleico com algumas proteínas; nas células, parasitas de seus cromossomos.
Toda a ciência mundial está mobilizada contra o SARS-CoV-2 e contra a Covid-19, os grandes cientistas disputando para ver quem chega primeiro na corrida para produzir a vacina — ao que tudo indica, desistiram de produzir um remédio que destrua o vírus.
Esse exemplo da pequenez da arrogância do poder não seria a oportunidade do homem se impregnar pelo sentimento e pela consciência da solidariedade? Pensar que, se com a Terra ninguém acaba, as cidades e as maravilhas que o homem construiu de nada adiantam, porque o que está ameaçado é o gênero humano, que pode desaparecer vítima das doenças desconhecidas, mal conhecidas e bem conhecidas que estão sempre nos atacando. Paralisia infantil, varíola, malária, gripe espanhola, tifo, tuberculose, pneumonia, aids — até hoje sem uma cura definitiva —, ebola, cólera, H1N1, Covid, com as mutações e estratégias de vírus e bactérias trazendo doenças pelos milhares de séculos que ainda virão pela frente. De nada servem as bombas nucleares, as armas letais de toda natureza, contra elas.
Por que não procurar construir um mundo de justiça social, pacífico, em vez de acumular riqueza e construir tanques, porta-aviões, foguetes e tudo mais que representa hegemonia e poder?
Por que não banir a fome, criar uma sociedade menos egoísta e mais voltada para as coisas do espírito, um mundo de paz?
Se Deus nos deu a graça da vida e o livre arbítrio, não podemos, em vez de utilizar e completar a obra do Criador, caminhar para o suicídio coletivo da Humanidade.
Que esse vírus crie a consciência de um homem novo, que ame ao próximo como a si mesmo.
— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado, escritor. Imortal da Academia Brasileira de Letras. (Artigo publicado também em O Estado do Maranhão)