Em quarentena no Palácio da Alvorada, para se tratar do novo coronavírus, Jair Bolsonaro parece ter trocado seu tradicional figurino bélico pelo surpreendente papel de bombeiro nos conflitos entre poderes em Brasília. Nada a ver com a doença. A mudança, passageira ou não, começou com a prisão do notório Fabrício Queiroz no dia 18 de junho em Atibaia. Desde então, ele impôs a si e a família uma espécie de silêncio obsequioso.
De lá pra cá em suas redes sociais evitou polêmicas e parou de atacar seus adversários. Quando voltou a se manifestar, adotou um tom cauteloso. Seus filhos também baixaram a bola. Na noite da segunda-feira (13), em pleno tiroteio entre o ministro Gilmar Mendes e os chefes militares, ele entrou no circuito com bandeira branca. Acertou inclusive uma conversa entre Gilmar e o ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, que ocorreu no dia seguinte, e deu o gancho para que nessa quarta-feira o vice-presidente Hamilton Mourão sentenciasse que o assunto estava superado.
Na mesma toada, com a intermediação do novo líder do PSL, deputado Fernando Francischini, Bolsonaro voltou a conversar com o presidente do partido, Luciano Bivar, a quem tratava como inimigo desde o rompimento no ano passado. As mudanças de comportamento são ainda mais expressivas.
Acuado pelas ameaças de represálias pelos maiores investidores do planeta pelo liberou geral que acelerou a devastação na Amazônia, Bolsonaro deu carta branca para o vice Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, promover um verdadeiro cavalo de pau em sua política ambiental. O ministro Ricardo Salles, que parecia seu alter-ego e queria passar a boiada sobre a floresta e seus povos, foi escanteado. Virou carta fora do baralho.
A promessa do vice Mourão é desfazer o estrago que o governo fez na fiscalização do Ibama, do Instituto Chico Mendes, Funai, entre outros órgãos, inclusive pondo o Exército em campo para ajudar toda essa tropa. Os movimentos de garimpeiros que, estimulados pelas promessas do presidente e pelas ações de Ricardo Salles, partiram com tudo para cima da floresta e das áreas indígenas em busca de ouro e de outros minerais preciosos agora se dizem traídos por Bolsonaro.
A turma do “guru” Olavo de Carvalho está em compasso de espera pra ver como vai ser a atuação do novo ministro da Educação, Milton Ribeiro, professor e pastor plebisteriano, que toma posse nessa quinta-feira. Não há menor dúvida de que ele seja um conservador. Mas Bolsonaro diz que ele vai ser, também, um conciliador, pondo fim a beligerância no ministério contra as universidades e toda forma de conhecimento desde o início do governo. A conferir como ele vai se virar com os feudos olavistas que seguem por lá.
O que motivou essa guinada de Bolsonaro? Como reação à prisão de Queiroz, escondido em uma casa do advogado dos Bolsonaros, Frederick Wassef, os militares da ativa deixaram claro que o presidente não poderia contar com eles para virar a mesa em função de seus problemas e de sua família com a Justiça. Os chefes militares recebem mal qualquer redução por outros poderes das prerrogativas presidenciais, mas querem distância de qualquer respaldo às milícias bandidas do Rio de Janeiro.
O avanço das investigações na Justiça, em especial no Supremo Tribunal Federal, pôs todo o clã Bolsonaro na berlinda. O Facebook ao varrer tropas de robô, que faziam o jogo sujo dos bolsonaristas, levou a investigação da PF para dentro do Palácio do Planalto. Além de pôr os filhos Flávio, Eduardo e Carluxo na roda. Essa apuração se complementa com outra que cerca os financiadores dos atos antidemocráticos que sumiram de Brasília. Ambas têm como relator o ministro do STF Alexandre de Moraes. Segue também em marcha batida a investigação sobre a denúncia do ex-ministro Sérgio Moro de que Bolsonaro queria intervir na PF para ter alguém de sua confiança na superintendência no Rio de Janeiro, onde as investigações sobre as famosas rachadinhas e as perigosas ligações com os bandidos das milícias vão de vento em popa.
É esse conjunto da obra que faz Bolsonaro baixar o tom, flertar com o Centrão, fazer acenos de conciliação para os demais poderes. Sabe que seu mandato presidencial corre risco. Essa aparente mudança vai colar?
A conferir.