Depois de uns 13 anos de melhora nos indicadores de qualidade de vida e felicidade geral da nação, ou quase isso, a economia brasileira amarga já uns 5 anos de prostração e angústias. Isso para ser generoso com uma situação, que é muito mais preocupante e claustrofóbica. Difícil de definir ou nomear para sermos mais francos.
Começou pela articulação lenta, segura e gradual de um golpe pelos de sempre, os donos do poder, do dinheiro mais claramente falando. Para que funcionasse e contasse com a legitimação da sociedade, triste sociedade, diga-se, foi necessário um arco de alianças nada simples, mas recorrente na nossa história. A formação clássica: empresários conservadores, sistema financeiro e aplicadores do “mercado” e a mídia dominante, que forma opinião, a que molda comportamentos e leva bastante gente da classe média a se “irmanar” aos interesses dos mais graúdos financeiramente.
Feita a aliança cruel e mortal para os menos favorecidos, as vítimas de sempre, em nome de quem os golpes e tramas satânicas são urdidos, o processo seguiu seu curso. Quase conseguiram sucesso na eleição de 2014, ganha por margem reduzida pela então Presidente. Mesmo assim seguiu o passeio à direita. Aproveitando a fragilidade e as dificuldades de articulação política da Presidente, difundiram o clima de caos, da corrupção, da “gastança”, do desequilíbrio fiscal radicalmente condenável de acordo com os cânones do “austeritarismo”.
Correndo por dentro, nada por fora, diga-se, difundiu-se o ódio ao Partido dos Trabalhadores e seus líderes pelas atitudes coniventes com a corrupção cirurgicamente examinada e divulgada ao extremo. Requintes surreais incluídos, claro, pedalinhos, triplex, sítio do mal em Atibaia e outros “detalhes” nada discretos, na versão da mídia dominante, que garantiram o ódio de boa parte da população, classe média principalmente, aos líderes populares que tentaram equilibrar-se entre o poder dos donos do dinheiro e o compromisso social para com as pessoas menos favorecidas. Deve-se ressaltar que conseguiram algo impensado para os de visão ortodoxa, garantiram a acumulação financeira crescente em meio a uma inédita distribuição de renda em favor dos mais pobres. Avanços inegáveis, mesmo assim, foram registrados, mas potencializaram o conflito distributivo.
Aparentemente estava tudo muito bem, porém, como nas fábulas infantis, o chamado poder econômico não perdoa. Passada a fase de enlevo e encanto, veio o desenlace e assim a “Fascinação” mútua com os sonhos mais lindos então sonhados mudou para o “Atiraste uma pedra/ No peito de quem/ Só te fez tanto bem/ Atiraste uma pedra/ Com as mãos que essa boca/ Tantas vezes beijou…E a pedra foi atirada sem pena ou constrangimento. Golpe travestido de impeachment foi o resultado que todos sabemos.
Só que não parou por ai, como também é sabido. Reformas que precarizam direitos trabalhistas e restringem de forma severa as aposentadorias, ao lado de teto de gastos que completa o “serviço sujo” ao implicar em cortes de gastos sociais, educação, ciência, tecnologia e saúde principalmente. Em suma, em nome da austeridade e do ajuste fiscal aprovou-se no congresso um conjunto de reformas que impõem perdas severas ao trabalho e favorecem o capital e os capitalistas.
Deveras lamentável o desfecho macabro, mas quem mandou acreditar que o escorpião pode mudar a sua natureza?… Interesse, acima de qualquer enlevo, é o que importa para a classe dominante, aqui e alhures, e isso não foi visto, ou não se quis que fosse visto pelas lideranças mais à esquerda.
Desde então é um tal de ladeira abaixo sem paradeiro… No caminho dessa descida as “gorduras”, outrora direitos trabalhistas e políticas sociais, foram sendo “descascadas” e tragadas ao sabor da recuperação da lucratividade e da busca pela extração máxima de valor gerado pelo trabalho. Em meio a isso tudo, o mantra da austeridade fiscal e a fantasia de que o orçamento equilibrado é o que gera créditos com o divino e com a ética dominante.
Um mantra, diga-se de passagem, que é abandonado pelo capital, financeiro principalmente, quando lhe é conveniente, quando acuado pelas crises recorrentes do capitalismo, como em 2008 e como agora.
Uma história conhecida e recorrente, vale destacar.
Remember o “mar de lama” atribuído a Vargas; a “baderna” e o iminente perigo do “comunismo” que foi associado a Goulart. Nesse contexto, a suprema condenação pela “gastança” e conivência com os “desmandos” da era Dilma foi mais um episódio. Repetição de rupturas forçadas, muito bem articuladas pela gente pensante e dominante desse “país das maravilhas” para uns poucos privilegiados. Por trás, e não dito, claro, pairava o conflito distributivo, a disputa pelas fatias do “bolo” ameaçado, mesmo que minimamente, de escorrer entre os dedos da classe dominante. Da ameaça, fez-se a ação e então fez-se o golpe, difundindo-se o ódio ao PT e escondendo-se os reais motivos.
Mas não parou por aí. O momento atual é mais caótico e estarrecedor. Um governo dominado por milícias e por alguns segmentos dominantes da economia (agronegócio, mineração, rentismo) e determinado a impor seu projeto destrutivo e genocida. Nesse ambiente tóxico e destrutivo, chega o covid-19 e difunde o medo e a insegurança. De quebra, ou para quebrar mais ainda, derruba a atividade econômica já moribunda. Com isso, o quadro já muito sombrio agudiza-se. O desemprego já elevado mais se eleva e sem uma condução minimamente satisfatória por parte da política econômica a possibilidade de encontrar alguma saída torna-se miragem. Um sonho para um verão ainda incerto e não sabido.
Na tentativa de continuar escamoteando para a população onde está a dificuldade de crescimento, diante da forte recessão em curso, os formuladores da política econômica e seus ventríloquos alegam que tudo é resultado da pandemia, que teria abortado a recuperação já em plena decolagem. Assim, defendem reabrir as atividades econômicas, mesmo colocando em maior risco pessoas e vidas. Será que tudo deve-se ao covid-19 e sua natureza ainda não domada? Não se pode, obvio, descartar a participação do vírus no agravamento do quadro de dificuldades da economia, mas o fato é que bem antes dele o barco já estava à deriva. Na verdade, o corona vírus é um álibi convincente para muitos de que a política econômica não tem poder de reverter a recessão, a menos que os governadores e prefeitos aceitem relaxar as medidas de isolamento social.
Na verdade, a realidade é diversa e clama por melhor tratamento. Alguns elementos, afora a pandemia, para melhor entender o que se passa com a economia brasileira parecem ser úteis para serem elencados. Nas condições gerais da economia brasileira em curso desde 2014, ou um pouco antes, alguns ingredientes têm contribuído para travar as possibilidades de reativação do crescimento e para tornar mais difícil as condições de vida da população menos favorecida. Entendendo que o mundo não é, e nem será, o que desejamos, ou o que achamos mais justo para a sociedade, as análises têm que se ater aos fatos. Vejamos.
O ritmo de crescimento da economia desacelerou desde 2014, entrou em recessão, entre 2015 e 2016, seguida de saída pífia para taxas de crescimento próximas de 1,0% ao ano e agora para uma nova recessão, bem mais forte, com previsão de queda do PIB em torno de 9,1%, por parte do FMI, em 2020, diante da crise da pandemia. Uma mistura de demanda por bens de consumo travada por desemprego, endividamento elevado com menores oportunidades de investimento e baixo nível de confiança tem deixado os capitalistas indispostos a investir em novos projetos ou em ampliação dos já existentes. Paralelamente, o investimento governamental colapsou por conta das políticas de ajuste fiscal centradas em cortes de gastos, por seu turno. As virtudes tão exaltadas da austeridade têm seu preço.
Nesse cenário, as exportações, que poderiam soprar a favor não têm peso suficiente (representam apenas algo como 10% do PIB) para reativar a economia, até porque baseiam-se crescentemente em bens primários, com baixo nível de emprego e com elevados requerimentos importados, isso no caso das commodities agrícolas. Além disso, a demanda mundial por commodities tem andado mais bem comportada, com preços declinantes, depois do boom do início do século XXI.
Nesse contexto, a retomada do investimento privado não se faz apenas com as reformas precarizantes das relações de emprego, da previdência, do teto de gastos correntes do setor público, como se a “fada da confiança” fosse prevalecer sobre a perspectiva de retorno dos investimentos. Fato ainda menos provável numa economia onde a taxa de juros real manteve-se por muito tempo muito elevada, competindo em vantagem com as taxas de retorno de muitos projetos.
Aliás, esse quesito juros tem facetas diversas que cabe aqui destacar. Além de competir na base das decisões de investimento com as taxas de retorno, como já explicitado acima e como já ressaltado em trabalhos diversos, as exorbitantes taxas de juros cobradas dos consumidores e das empresas drenam um montante elevado de recursos, que travam o consumo das famílias e a capacidade de investimento das empresas.
Sobe isso, vale aqui recuperar a pesquisa do Prof. Ladislau Dowbor, publicada no livro A Era do Capital Improdutivo. No que se refere ao Brasil, Dowbor destaca o nível diferencialmente elevado para os padrões internacionais da taxa de juros cobrada de consumidores e empresários pelo sistema financeiro fortemente oligopolizado. O panorama é devastador: em 2018, enquanto os juros do rotativo do cartão de crédito chegavam a 318,5% ao ano no Brasil, na União Europeia não passavam de meros 6,5% ao ano. Com essas taxas indecentes o sistema financeiro se apropriava em 2017 de cerca de R$1,00 trilhão pagos em juros, cerca de 16% do PIB. Com isso famílias e empresas deixam de consumir e/ou investir em atividades produtivas um montante desse nível (Dowbor, 2018).
Ora direis, isso é apenas uma transferência de mãos do dinheiro de famílias e empresas para bancos e instituições financeiras e respectivos proprietários e acionistas e esse valor pode perfeitamente ser revertido em consumo ou investido por estes proprietários e acionistas. Sim e não, nós vos diremos, no entanto. Na verdade, apenas uma pequena parte desse montante é gasta em consumo ou investimento, pois é transferida para rentistas com patrimônio vultoso, que valorizam o seu capital na esfera financeira e entesouram a maior parte desses ganhos. Fosse menor essa carga de juros pagos pelas famílias, maior seriam os gastos em consumo, por exemplo, dinamizando a demanda das empresas, já que os assalariados em geral gastam o que ganham.
Outro ponto a destacar é que nossa economia não está fora de um contexto mundial que vem há algum tempo se desenhando e trazem elementos de preocupação por conterem ingredientes potenciais de menor dinamismo. Começa-se a se configurar no capitalismo contemporâneo uma nova Matriz Produtiva. Não apenas a da microeletrônica, advinda da segunda guerra, mas novos materiais surgem, a nanotecnologia se aprofunda, a biotecnologia passa a ser a base da agricultura moderna, novas fontes de energias vão ganhando espaço, entre outros.
Essa complexidade tecnológica aponta para um novo perfil, em que as cidades inteligentes, baseadas em controles e interconectividade, são idealizadas, o home office valorizado, em que a Manufatura Avançada, 4.0, vai se consolidando, em que os sistemas computacionais controlam infinitos dados através das Big Datas, em que a Inteligência Artificial aponta para a rotinização de qualquer atividade que se repita, mesmo que em número reduzido, em que as máquinas se comunicam e cresce assustadoramente a Internet das Coisas.
Vale esclarecer que estamos falando de tendências, não se quer dizer que desaparecem as formas anteriores de relação de produção e de trabalho. Continuarão convivendo desde o artesanato até o apertar de parafusos chapliniano taylorista. Mas, são novas formas que vão ampliando seus espaços e tendem a ser hegemônicas no modo de produção que vai se estruturando, portanto, serão as alavancadoras dos investimentos capitalistas. Eles serão os principais fatores de dinamização das economias. Nesse quesito não temos muito a comemorar ou auspícios a registrar.
Entre outras coisas porque o Brasil fez uma opção. Um Governo Nacional ultraconservador, com reação à Globalização, mesmo diminuindo as produtividades dos processos, e retoma-se a guerra ideológica como fator de sua legitimação diante de seu eleitorado. Segue o modelo Trump, sem ter as pré condições norte-americanas.
Nesse processo surge a crise sanitária oriunda do corona vírus. Uma hecatombe que alerta, para problemas que advém do processo, por exemplo, da dependência tecnológica. Cada vez mais fica claro que as tendências acima mencionadas deverão se aprofundar. Novos modelos de mobilidade, cidades menos poluentes, produção agrícola cada vez mais baseada no controle da biologia, home office, rotinização de processos, uso da inteligência artificial e da internet das coisas, devem se aprofundar. A valorização da sustentabilidade em detrimento do crescimento a qualquer custo surge na equação. Passa a ser fator definidor de tendências, a valorização das questões ambientais. Isto é, o oposto do que o atual Governo propõe e implementa.
Três coisas chamam a atenção. Em primeiro lugar, os investimentos feitos pelos Países Centrais, em particular Alemanha, China e Estados Unidos, nas novas áreas são enormes. Enquanto aqui falamos em milhões de dólares, eles se referem a bilhões; enquanto estávamos nos estudos preliminares de políticas, eles já trabalhavam no desenvolvimento de produtos e protótipos, bem como na análise dos impactos da adoção dos novos modelos, isso há três, quatro anos. As pesquisas associadas estavam muito avançadas em muitos segmentos, uma barreira adicional a ser superada por aqui.
Segundo, existem grandes avanços já implementados e que exigiriam muito esforço para que pudéssemos acompanhar. É verdade que temos alguns segmentos industriais que estão na ponta, ou próximos, mas, muito mais exceções do que regra. Não há uma estratégia coordenada com o setor produtivo para a inserção no novo padrão. A grande maioria de nosso empresariado parece não se preocupar com os resultados que essas mudanças podem trazer para seus negócios.
Terceiro, o mais preocupante. O perfil de formação necessário para uma mudança em situação mais vantajosa, nos diferentes setores, não tem feito parte das preocupações governamentais. Nós ainda falamos muito em programadores que transpõem lógicas rotinizáveis para linguagem de máquina, sem questioná-las. Na verdade, o perfil profissional adequado para essas áreas passa por profissionais com perfis diferenciados, que não só compreendam a lógica dos sistemas, mas também estejam preparados para modificá-los em suas bases conceituais e até reinventá-los. Precisam conhecer as tecnologias existentes e emergentes.
Ter flexibilidade para se adequar a novas formas de produzir e de repensar as estruturas produtivas. Novas profissões vêm surgindo e não nos temos preocupado em acompanhar o processo. Demoraremos a ter esses profissionais. A grande, grande mesmo, maioria de nossa mão de obra ignora esses movimentos. Não foi preparada. A formação para o trabalho, para o novo modelo é muito reduzida.
Não podemos deixar de lado essas questões. Pós Pandemia, o Mundo dos Países Centrais já sinalizou seus rumos. Nós ainda não nos convencemos de sua relevância. Poderemos apostar em um modelo baseado nas formas pretéritas de organização da produção e de consumo, poderemos insistir com a ingenuidade e malandragem do “jeitinho brasileiro”, poderemos acreditar no mito da criatividade exacerbada do povo brasileiro, mas, se não nos prepararmos para a linguagem dos novos tempos, para os novos perfis profissionais exigidos, estaremos aumentando o fosso frente aos países desenvolvidos, dia após dia. A base está faltando e não se forma do dia para a noite.
Dito isso, há que se enfatizar que num contexto como esse, recessão severa e pandemia, rezam a história e as prescrições keynesianas que o Estado fomente a demanda efetiva através de gastos em transferências de renda e em investimentos produtivos para que se quebre o círculo vicioso do chamado hiato de demanda. Nessa linha, têm atuado os países europeus e os Estados Unidos que adotaram agora e na crise de 2008 políticas de estímulo da demanda, de naturezas diversas, com diferentes resultados. No Brasil, a resistência do atual Governo a essas medidas, no entanto, tem sido a tônica. Diante da inevitabilidade de alguma política emergencial para socorrer a população menos favorecida, além de pequenas e médias empresas, os formuladores da política econômica a contragosto e a conta gotas adotaram algumas medidas de alívio que, no entanto, são insuficientes e são implantadas de forma lenta.
Não chegam na intensidade nem na hora devida e assim não atuam como se faz necessário. A recessão, assim, vai fundo. Outro aspecto destaca-se nessa ação emergencial da política econômica do atual Governo: a desigual distribuição das verbas e o alcance efetivo das mesmas. Enquanto ficam os realmente necessitados na dependência de filas enormes e de aprovação de cadastros para receber o auxílio emergencial, as linhas de crédito que chegam às grandes empresas são fartas, baratas e rápidas.
Do até agora anunciado, têm-se que a liberação do auxílio emergencial de R$ 600 para os trabalhadores informais, segundo o Ministro Guedes, vai custar R$ 145 bilhões ao governo federal, no final da primeira fase. O crédito para as micro e pequenas empresas não chega a 100 bilhões e está muito dificultado. O Sistema Bancário não apresenta nenhum interesse em agilizar o desembolso, mesmo depois de inúmeras concessões, a ele, anunciadas. O aumento dos recursos para o Bolsa Família é insignificante. Ao mesmo tempo, se tem notícia de R$ 250 bilhões de liberação de depósitos compulsórios pelo Banco Central, para dar força ao sistema financeiro, que tem atuação fortemente concentrada. Lucros enormes são previstos junto ao grande capital. As palavras do Ministro Guedes, na reunião Ministerial não deixam margem para dúvidas: “Nós vamos botar dinheiro, e vai dar certo e nós vamos ganhar dinheiro. Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos pra salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas.”
Estranha essa lógica de que o Governo deve ganhar dinheiro em detrimento à melhor equidade social. Ou melhor, que o Sistema Financeiro terá lucros extraordinários.
Dos R$ 60 bilhões liberados para Estados e municípios, a maior parte não vai para as regiões desfavorecidas. Também, os R$ 70 bilhões de dívidas postergadas para as Unidades Federativas, estão fortemente concentradas nos Estados maiores. No auxílio para evitar um desemprego ainda maior, não se vê nenhum viés que o direcione para a redução de disparidades regionais. Os empréstimos para a rolagem das dívidas do BNDES estão fortemente direcionados para o grande capital e para a carteira pré existente do Banco.
Em síntese, os recursos que vem sendo alocados não têm nenhuma preocupação espacial, menos ainda em resolver disparidades de renda. Ao contrário, seguem a lógica do capital no modelo brasileiro. Poucos recursos direcionados para a minoração da pobreza, insuficientes, muitos recursos para a retomada dos lucros dos rentistas e dos grandes oligopólios. Mais do mesmo, em suma.
Entendemos que o papel do Governo Central no equacionamento de saídas para a crise pode ser fundamental. É o único Agente econômico que emite moeda, que pode gerar meios de pagamento instantâneos, que viabilizem o surgimento em volumes significativos de investimentos estruturadores, como os de infraestrutura, ciência e tecnologia, saúde, educação e alimentação. Se houver a clareza de que é para gastos fundamentais para a competitividade desta sociedade, para aumentar a produtividade e para diminuir o desemprego e gargalos estruturais, sem dúvida gastos assim gerarão um fluxo derivado de investimentos que mais que justificará esses gastos.
A toada, porém, segue na linha fiscalista e cabe lembrar ainda que a preocupação com o ajuste fiscal constitucionalizada com a emenda do teto de gastos já demonstra suas repercussões negativas. O teto vem acarretando reduções de gastos correntes e de investimentos por parte do setor público, bem anteriores à pandemia, portanto. No caso da saúde o subfinanciamento do SUS agravado pelo teto de gastos tem sido denunciado com frequência. Sobre isso, Alexandre Padilha, ex Ministro da Saúde afirmou em matéria recente: “Foram duas perdas determinadas pelo Congresso Nacional e que aprofundaram o subfinanciamento da Saúde, que já era crônico desde a criação do SUS [em 1988]. O fim da CPMF e a Emenda 95, que tirou da Saúde, de 2017 para cá, R$ 22,5 bilhões. Só no ano passado ela tirou R$ 9 bilhões. Na prática ela destrói o compromisso constitucional de um sistema público gratuito para toda a nação”. Com isso, o sistema público de saúde já padecente de recursos fica mais asfixiado com a demanda crescente por seus serviços em vista da pandemia.
Ou seja, as políticas públicas “fiscalistas” que priorizam a todo custo o ajuste fiscal e assim atuam preponderantemente pelo lado dos cortes de gastos têm contribuído de forma decisiva para as dificuldades de tirar a economia da recessão muito antes da crise recente do coronavírus.
Enquanto isso, aboia-se a passagem da boiada de desmandos e desmanches das instituições. Facilidades para as milícias, dificuldades para a contenção dos desmatamentos ao lado do favorecimento do garimpo e mineração em terras indígenas junto com o licenciamento de agrotóxicos, privatizações e algumas “coisinhas” mais.
Nesse contexto de boiada passando e de corona vírus ceifando vidas, o que nos resta ou nos restará? A resposta é incerta e ainda não sabida. A ação conjunta das forças do desmando com um vírus de elevada letalidade é devastadora. Principalmente levando em conta que a capacidade de reação da sociedade está tolhida e tomada por projetos e ideias divergentes. Há melhor caldo de cultura que esse pra passar as várias “boiadas”? Com covid-19 ou sem, a perspectiva é sombria, triste, ameaçadora. Sairemos dessa crise econômica, política e sanitária com perdas apenas medianas? Pouco provável, mas não impossível se a reação organizada se fizer presente. Quem sabe? Pra nossa reflexão, ou pelo menos como consolo, cabe lembrar uns versos muito ouvidos em uma época tão, ou mais, difícil quanto essa de agora:
“E se a força é tua ela um dia é nossa
Olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando
Que medo você tem de nós, olha aí”
(…)
“O muro caiu, olha a ponte
Da liberdade guardiã
O braço do Cristo, horizonte
Abraça o dia de amanhã”
Teremos força pra reagir?