Evidente que a tensão em Brasília beira a uma explosão. Numa troca equivocada de endereços, a combustão é atribuída pelo presidente Bolsonaro e seu entorno ao Supremo Tribunal Federal. Não é. A crise tem origem, meio e futuro incerto nos erros e medos do passado e do presente do próprio clã Bolsonaro. É uma sequência de trapalhadas, com seguidos atropelos a leis para encobrir outros malfeitos no que virou um novelo do qual eles não mais conseguem se desvencilhar.
Numa total inversão de valores, inclusive da clássica frase do pensador romano Horácio, a impressão agora é de que o rato é quem tem a pretensão de parir a montanha. Estão forçando a barra para transformar em crise institucional a exposição do drama do presidente e de sua família com fantasmas do seu passado. Pelo que foi escancarado nas apurações dos promotores do Rio de Janeiro, o clã Bolsonaro, em seus mandatos legislativos, também se fartou na boquinha da rachadinha corriqueira há décadas nas assembleias legislativas e no Congresso Nacional.
Só para contextualizar. Como os salários dos funcionários em todos os parlamentos são altos, desviar uma parcela desses vencimentos para financiar atividades políticas e até para o enriquecimento pessoal de políticos e de seus homens ou mulheres de confiança se tornou uma prática comum. O que agrava a situação no caso dos Bolsonaros é também a exposição de suas ligações com as milícias na gestão das verbas públicas de seus gabinetes pelo sumido Fabrício Queiroz.
Por mais estreita que seja, essa é a moldura dessa iminente crise institucional. O que se agrega a isso é a primária mas eficiente máquina de fake news montada sob a inspiração do vereador Carlos Bolsonaro, o 02. É a ela que Jair Bolsonaro atribui a principal responsabilidade por sua surpreendente vitória eleitoral. Como essa turma continuou extrapolando, mesmo depois de chegar ao governo, acabou caindo em uma rede de apuração estatal.
A maior ironia é que foram fisgados por uma rede armada pelo presidente do STF, Dias Toffoli, a cargo do ministro Alexandre de Moraes, em que meados do ano passado o presidente Bolsonaro chegou a apostar suas fichas para baixar a bola de Sérgio Moro e da Polícia Federal. A motivação do presidente naquela época, preservar sua família de investigações policiais, é a mesma de agora. A diferença é que esse inquérito do STF, que nasceu ilegal e foi corretamente questionado pela procuradora Raquel Dodge, ganhou o aval do novo procurador-geral Augusto Aras e do então advogado-geral da União André Mendonça, hoje ministro da Justiça, que só agora, na volta do cipó de aroeira, o questionam.
Isso soa muito mal nas instituições de origem de Aras e Mendonça. O que se fala ali é que eles estão se apequenando na disputa, estimulada pelo presidente da República, pelas vagas a serem abertas em novembro pela aposentadoria compulsória do ministro Celso de Mello e, em julho do ano que vem, por Marco Aurélio Mello. Mas Bolsonaro está fazendo da escolha de ministros do STF uma barganha escancarada. Em uma live na internet na noite dessa quinta-feira, ele fez questão de dizer que já tem três nomes para as duas vagas previstas em seu mandato. Elogiou a “atuação excepcional” de Aras na PGR e lhe prometeu uma hipotética terceira vaga no Supremo. “Se aparecer uma terceira vaga, espero que ninguém ali (no Supremo) desapareça, o nome de Augusto Aras entra fortemente”.
Bolsonaro está prometendo até lote na Lua para investigadores que dispõe da caneta para denunciá-lo ou julga-lo. Suas reiteradas ameaças à democracia ocorrem em meio a esse jogo rasteiro, em que reveza ofertas de benesses com caneladas e cotoveladas, e está exigindo uma repreensão exemplar do árbitro decisivo nas bolas divididas na democracia, o plenário do Supremo Tribunal Federal.
Até porque o chororô interno entre os bolsonaristas é de que o Congresso e o STF estão tolhendo o direito conquistado nas urnas para governar o país. No Parlamento, as derrotas mais vistosas foram a do então ministro da Justiça Sérgio Moro, sabotadas pelo próprio presidente. Mesmo sem o apoio efetivo do Palácio do Planalto, o ministro Paulo Guedes aprovou mais que seus antecessores em muitos anos, inclusive quebrou o tabu da Reforma da Previdência.
Não dá nem para reclamar de fisiologismo na relação com os parlamentares. “Nós não podemos aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo. Foda-se”, proclamou em fevereiro o general Augusto Heleno, em uma solenidade de hasteamento da bandeira no Palácio da Alvorada, que virou slogan nas manifestações bolsonaristas. “Esses caras”, general, são os queridinhos do Centrão tratados hoje a pão de ló pelo Palácio do Planalto.
Quais foram mesmo as derrotas do governo Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal? A mais evidente foi suspensão da nomeação do delegado Alexandre Ramagem para a direção da Polícia Federal em meio a grave denúncia de que o presidente da República queria interferir na polícia para escalar alguém de sua confiança para a Superintendência da PF no Rio de Janeiro. Qual mais? A pedido do procurador Augusto Aras, o ministro Celso de Mello autorizar uma investigação a partir dessa acusação de Sérgio Moro.
Todas as outras broncas presidenciais recentes decorrem dessas duas providências de ministros do Supremo, apenas com o agravante do inquérito sobre as fake news ter batido na porta dos Bolsonaros. É desse conjunto que eles têm medo. Problema deles. Não do país, nem das instituições, muito mais preocupados com os sucessivos recordes de casos e de mortes causados pela pandemia do novo coronavírus, que pouco parece incomodá-los.
Informações das mais variadas fontes apostam que o STF não vai decepcionar. Vai dar, sim, uma enquadrada em regra nesses arroubos ditatoriais estimulados por Jair Bolsonaro e em seus fanáticos seguidores. Chega de maluquice. Evidente que eles assustam, em especial a quem pagou um preço alto pela ditadura militar de 1964. Mas, hoje, nesse mundo todo interligado pela internet, esses arremedos de ditadores são apenas blefes no século errado. Pelo que ouço de quem conhece o universo militar, os quartéis também não acatariam ordens absurdas dessa gente. Ninguém em sã consciência acredita numa aventura de Bolsonaro para romper a ordem democrática. Nesse caso, é ele que correria o risco de ser forçado a passar o bastão para o vice-presidente Hamilton Mourão, que até fez questão de alertar, ao ser indagado nessa quinta-feira (28) sobre a possibilidade de um novo golpe militar, da mudança de século na folhinha do calendário.
Tome tenência, capitão.
A conferir.